segunda-feira, 2 de março de 2009

outras palavras

outras palavras

A partir de hoje, o Veredas: Literatura e Psicanálise inicia um outro movimento, outras veredas, novas palavras. Está oficialmente aberta a temporada de novos textos de outros autores, nem sempre tão novos e/ou iniciantes mas, enfim, que tenham um gosto pela literatura, que se afinem através das palavras com a proposta do Veredas que não é um blog autoral, confidencial muito menos pessoal. Daí a proposta de receber outros textos, outras intertextualidades, outros olhares, novos pensares. Um escambo literário se posso assim dizer e que pretende acabar de vez com o banzosaudosista de ter o que dizer mas não saber aonde. Então, se você leitor também escreve, e acha que o seu texto se afina com o Veredas, encaminhe seu escrito para: celeal01@gmail.com  Seu texto será avaliado por um Comitê Central, uma Banca Examinadora, etc, etc, etc, composto por mim, eu e outros eus que há em mim. Portanto, não tenha medo(rs) e arrisque-se através das palavras. O texto inaugural chama-se Bala Perdida e é da minha amiga Adriana B. Guedes. Adriana possui rara sensibilidade para perceber o mundo em suas delicadezas e o ardor pela leitura e isso transborda ricamente para o seu texto. É também uma referência imprescindível em literatura infanto juvenil. Com ela não tem bala perdida, mas palavra achada. Então, vamos nos perder em seu texto?

Abraços,

Carlos Eduardo Leal  




                                                      BALA PERDIDA

 

                Lisa nunca havia gostado de seu nome. Achava-o superficial, vazio, pequeno: simples.  Era afeita a caminhos tortuosos, ásperos, esburacados; tinha uma simpatia especial pelo “trash” – como costumava dizer. Quando viajava, procurava pelas trilhas mais perigosas, pelos ônibus que andavam aos solavancos. Não aceitava a vida que desejaram para ela, desde seu nascimento, desde a escolha do nome: Lisa. Na praia, ainda menina, não construía castelos ou caminhos intermináveis na areia: preferia as ondulações sem sentido ou os buracos de esperança que cavava sem nunca achar o fim. Não contava encontrar um homem que pudesse gostar de sua força bruta, de sua insaciável busca pelo que não sabia. Não imaginava que pudesse haver no mundo homens que gostassem de mulheres que sendo Lisas não fossem verdadeiramente lisas.

                Mas havia.

                Havia apenas um.

                Todos os dias ele acordava com uma discreta aparência e fazia sua rotina acontecer de um modo previsível, cronometrado, organizado, superficial. Não se metia em confusão: não desejava além do que a vida ia lhe dando, generosamente. Preferia o dia, a pedra, andar a pé, comer sua própria comida – “é mais seguro” – dizia Armando.  Caminhava, para manter o mesmo peso, todos os dias, os mesmos seis quilômetros, pelo mesmo lado da rua, que também era sempre a mesma, que daria sempre no mesmo lugar.

                Onde?

                Ninguém sabia.

                Lisa e Armando jamais se encontraram.

                Que importa?

                O amor não é assim?

                Ainda que tivessem se encontrado, jamais de conheceriam.

                E se se conhecessem inteiramente, jamais se amariam.

                Ainda hoje, quando Lisa se olhou no espelho, reparou no tempo, nas escavações das horas que passam, no seu rosto cheio de rugas. Sorriu. Não era mais Lisa. Mudara.

                Ainda hoje, quando Armando se olhou no espelho, reparou no tempo, nas transformações que sofrera seu rosto, sempre tão sereno, sempre tão suave. Chorou. Não era mais Armando. Mudara.

                Lisa e Armando jamais se encontraram.

                Que importa?

                A vida não é assim?

                Ainda que tivessem se amado, já não se reconheceriam mais.

 

                                                         Adriana Bittencourt Guedes

 

9 comentários:

ROMÁRIO disse...

Muito boa a ideia do escambo literário.
Parabéns a Adriana pelo texto sensível e preciso. Lembrei do filme Lost in Translation (Encontros e Desencontros) dirigido pela Sofia Coppola.
Beijos
Michelle

Paula Saraquine disse...

Nossa! Essa "bala" atingiu meu coração! Que texto preciso, certeiro. Adorei! Você a cada dia se superando.
Bj
Paula Saraquine

Anônimo disse...

Michelle e Paula,
vcs não imaginam como foi difícil pra mim postar um texto literário. Fui, de alguma forma, "condicionada" à teoria, crítica e análise textuais, por força da profissão. Ficamos mais exigentes com isso. Mas quem resiste a um convite tão sensível de Carlos Eduardo, com sua paixão pela literatura e pelo diálogo literário?
Obrigada pelos comentários e incentivo.
Bj muito grande em vocês,
Adriana.

celeal disse...

...e assim nascia o diálogo das palavras sobre as palavras sobre as palavras. É só uma outra maneira de dizer que 'uma rosa, é uma rosa, é uma rosa' e também é um Guimarães. Boas veredas!

Ana Paula Gomes disse...

Adriana,

Amei o texto. É sensível e certeiro sobre a tão difícil arte do não encontro. Como ando às voltas com trilhas sonoras, lembrei na mesma hora de Catavento e Girassol da Leila Pinheiro. "Meu catavento tem dentro o que há do lado de fora do teu girassol. Eu sinto muita saudade. Você é contemporanea". Lindo...

Anônimo disse...

Ana, que bom que vc gostou. É maravilhoso reencontrar nossas veredas por aqui. Obrigada pelas palavras de estímulo e pela canção.
Bj grande,
Adriana.

Educação Infantil do Colegio Miraflores disse...

Parabéns, Adriana!
Texto: palavras compondo dramas, fios compondo tramas. Me senti envolvida por este seu modo de tecer sobre a vida. Adorei.
Quando vai postar outro? rsrs
beijos
Lilian

Anônimo disse...

Lilian e Claudia,
Obrigada pela força e o incentivo nas doces palavras.
Bj muito grande,
Adriana.

Fátima Campilho disse...

Conheci Adriana ontem no curso Literatura e Cinema na Casa da Leitura.A beleza deste conto me emocionou. Adriana é competente e sensível.
Abraços