segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

2016 Um ano para não se esquecer


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2016: hiância, falta, amor/ódio, buraco, pesadelo, medo, esperança, furo no real da coisa, delírio paranoico...
Não sou louco de colocar um ano no divã. Nem um dia sequer. Prefiro constatar seus transbordamentos. Na verdade não sei o que houve e talvez jamais saiba. Durante o ano, e já basta isso, houve especialista para tudo: político, econômico, social...
A patologia grave que acometeu um ano inteiro deixou-nos perplexos porque, em geral, o paciente tem um sintoma, outro e até mais um que você nem contava. Mas o que sucedeu neste ano foi uma série catastrófica. Uma epidemia, uma pandemia mundial.Perplexidade, estupefação, espanto diante do enigma indecifrável. Horror diante da inassimilável catástrofe moral. Todos os superlativos aqui seriam insuficientes para descrever o real impossível de ser dito. E, no entanto, aí está o final de ano. Com seus restos, seus enxofres mal cheirosos, suas escatologias, suas podridões, seus lixos nos escombros dos dias. Como suportar a vida assim de real e de viés?
Há abertamente neste ano, um "umbigo do sonho", expressão freudiana para falar de um corte na fala, um "não sei mais falar sobre isso que me acomete", que Lacan chamou de o real da coisa. Algo que insiste sem se inscrever. Algo que pulsa insistente como uma pulsão de morte e não sossega e nem dá sossego. Um impossível falar foi muitas vezes substituído por um grito parado no ar. Um grito de dor, revolta ou indignação. Olhem para qualquer lado do planeta que vocês constatarão isso que estou escrevendo. Não é preciso ser analista, é preciso estar atento. Atento e sensível ao que se desmancha na construção da humanidade. E, mesmo assim, algo me escapa. Algo escapa à compreensão. Sim, faço parte dos indignados e estupefatos. Mas faço parte dos vivos que fizeram a travessia. Tal qual uma análise, atravessamos rios turbulentos, mares caudalosos, mares de lama, enchentes de depressão, caminhadas coercitivas e arbitrárias. Ah, as metáforas não chegam para dar conta do que foi este ano. São insuficientes. Aliás, talvez este seja um bom termo para escrever aqui; insuficiência. Pletora de coisas insuficientes. Mais do menos. E isto já é causa suficiente para nos deixar este final com um gosto amargo na boca.
A crueldade sentida, a infâmia revelada nas mídias sociais, o escárnio dia a dia, os escândalos sucessivos dão bem um contorno dos círculos do Inferno de Dante pelos quais passamos neste ano. E, muitas vezes, sem o poeta Virgílio para amenizar nossa descida.
Muitas coisas não pedimos e tivemos que engolir. Muitas coisas não desejamos e tivemos que ter o desprazer de constatar. Outras tantas coisas nos acordaram no meio do dia, no meio da vida e nos fizeram dizer assustados: mas precisa ser assim? O susto diante do inevitável parece ter sido a tônica de um ano que não pode ir no mote do "já vai tarde." Não. Se há um ano que não podemos nos esquecer é este. O recalque é um mecanismo de defesa contra o intolerável. Só que a psicanálise nos ensina que o retorno do recalcado surge como asco, nojo, repulsa, repugnância, ou seja, devemos olhar na cara deste ano para que muitas coisas que aconteceram por obra e graça do ser dito humano, não se repitam jamais.
Os exemplos estão e estiveram como nunca nas mídias. Não é preciso recitá-los. Porém, questões éticas não deveriam ser escritas. Quando se as tem que escrever já é o testemunho da falência ética. A educação deveria internalizar limites. A psicanálise pontua aqui e ali para que um gozo absolutista não invada o sujeito fazendo-o padecer em seus dias. A barra sobre o gozo do Outro deveria ser um efeito da castração. Mas não é assim. Nunca foi. Mas é preciso que não esqueçamos a dignidade ética. É preciso que não esqueçamos o valor da palavra. É preciso que não esqueçamos que o existir depende de que maneira o outro está em nossas vidas. Porque o que quisermos para o outro, aí também estará nosso coração.

Carlos Eduardo Leal, Dezembro/2016

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Brasília, capital satélite. Cidade bipolar entre a 'vontade criadora' e o subdesenvolvimento.

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Congresso nacional, Carlos Bracher (2006)

Brasília, capital satélite. Cidade bipolar entre a 'vontade criadora' e o subdesenvolvimento.

O que me leva a escrever este texto foi um vídeo circulado na internet. Nele aparece o Eduardo Cunha desembarcando no Aeroporto Santos Dumont. No filmete feito com celular, surge primeiro pessoas xingando o Cunha e, logo depois, uma senhora vem apressada perguntar se ele era o Cunha. Ao ser confirmada sua hipótese, ela se arremete contra ele (no áudio não dá para ouvir o que ela fala), mas logo em seguida ele cai de tapas nele. Todos riem com escárnio da cena. Fim do filme.
A humanidade é assim desde seus primórdios:
1) Quer fazer justiça com as próprias mãos.
2) Possui seus momentos de barbarismos.
3) Tem arroubos que se não controlados, passam à passagem ao ato na forma extrema de linchamento.
4) A turba tem o poder de sentimento invencível (Gustave Le Bon, Psicologia das Multidões, 1923, Francisco Alves), de onde Freud extraiu elementos para o seu Psicologia das Massas e Análise do Ego. O indivíduo na multidão é anônimo, o que lhe dá o sentimento de uma força hercúlea.
5) A intolerância é crescente quando a população se sente injustiçada, ou ver fazerem alguma retaliação e/ou discriminação contra alguém mais fraco: criança, comunidades LGBT, negros, agressões contra a mulher, molestação sexual, pedofilia, etc.
6) O sentimento de desamparo diante de catástrofes naturais, crises financeiras e sociais (desemprego, analfabetismo, corrupções, peculato-roubo de dinheiro público, etc) podem levar a multidão à um sentimento de solidariedade (catástrofes naturais)  e vingança (crises de desemprego...) para que a justiça seja feita pelas próprias mãos. Em nossas cidades, a nefasta milícia assumiu este papel que outrora era do Esquadrão da Morte (Scuderie LeCocq).
7) A percepção da brutal desigualdade produz dois sentimentos caros ao ser humano: inveja e ciúme. Destes surgem todo um corolário assertivo de todo ódioenamorado que até então tenha sido sentido, como se inveja e ciúme (e seus atos subsequentes) fossem justificados (de novo os paladinos da justiça: leia-se, justiceiros) pela bipolar desigualdade.

Então, pergunto-me o que é Brasília? E busco uma resposta em Milton Santos. A expressão "Vontade criadora (de JK) e o subdesenvolvimento" é do geógrafo em seu livro "A Cidade nos Países Subdesenvolvidos ".SANTOS, Milton  (1965). A Cidade nos Países Subdesenvolvidos. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira.
"Cidade “artificial” surgiu de uma vontade criadora que haveria de se manifestar na prévia definição de diversos aspectos materiais e formais. A intenção que presidiu à sua criação é que orientaria aquela vontade criadora. Brasília já nascia com um destino predeterminado: ser “a cabeça do Brasil”, o “cérebro das mais altas decisões nacionais”. Capital administrativa e canteiro de obras, essas duas realidades - a realidade planejada e a realidade condição para a primeira - vão contribuir para lhe dar uma fisionomia, um ritmo de vida, um conteúdo. (...) O subdesenvolvimento comparece como um elemento de oposição,
diante daquela “vontade criadora”, modificando os resultados esperados. Reduz as possibilidades de uma rápida construção da cidade; refletindo-se sobre as atividades principais, explica as demais funções, o quadro, a fisionomia atual, a estrutura e os problemas; e é o responsável pela “dualidade” de Brasília, que tanto a aproxima das demais capitais latino-americanas. Vontade criadora e subdesenvolvimento do país são, pois, os termos que se afrontam na realização efetiva de Brasília. É da sua confrontação que a cidade retira os elementos de sua definição atual”.

É esta bipolaridade descrita tão bem por Milton Santos que baseio meu argumento de Brasília como uma capital planejada, mas que, tal como suas cidades satélites (Taguatinga, Ceilândia, Samambaia), tornou-se, ela própria, uma capital satélite do Brasil. Isolada em seu planejamento de vontade criadora num universo subdesenvolvido. A capital grita no 'ao-longe' (expressão cara à Guimarães Rosa), a excomunhão do povo que para lá chegar produz uma espécie de romaria como se estivesse indo à um santuário tupiniquim. Louve-se o belíssimo projeto arquitetônico de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, mas o fato político é desastroso e não há volta como atesta o próprio Milton Santos. Para lá refugiaram-se os políticos. É uma cidade não sustentável e que, por isso, precisa arrecadar de todo o país as condições de sua sustentabilidade. Aí está o cerne do problema que constato. Como os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário estão afastados geograficamente do povo, eles quase tornam-se invisíveis, é preciso criar mecanismos regulatórios paralelos ao governo quando o próprio TCU deveria ser responsável, como o Transparência Brasil entre outros. Não que a corrupção e os desmandos não aconteçam em outros países, mas no Brasil esta dicotomia ficou gritante. Até nos nomes das casas: mansões do Lago Paranoá, Mansões dos Ministros, a chácara do Chefe da Casa Civil, do Presidente do Congresso, como testemunhamos a do Eduardo Cunha em processo recente. A fragilidade destas instituições, sua clara capilaridade e mais o afastamento torna o Homo-Politicus quase um mito. Entre a adoração e o desprezo é difícil constatar sua existência.
Por isso, foi preciso a senhorinha cair de tapas em cima do Eduardo Cunha para provar sua consistência Imaginária, porque no Simbólico de nossas palavras ele já existia há muito tempo. E no real de nossas angústias também.

Carlos Eduardo Leal é psicanalista e escritor

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

HERANÇAS Resenha Literária Uma das contribuições ao blog da Bety Orsini


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HERANÇAS


Qual é a maior herança que um pai pode deixar para seu filho? Ou, pensando de outra maneira: o que um pai pode transmitir ao seu filho? Qual é a lição de uma vida?
O livro
A maleta do meu pai, de Orhan Pamuk (Companhia das Letras), ganhador do Nobel de literatura de 2007, tenta resgatar a importância daquilo que um pai delega ao filho. Na verdade, este texto é o discurso de O. Pamuk na cerimônia de entrega do prêmio Nobel de Literatura do ano passado.
É inevitável lembrar de
Quase Memória (Objetiva), de Carlos Heitor Cony, que também fala de uma relação entre pai e filho. O protagonista após receber um embrulho misterioso, passa a identificá-lo como tendo sido enviado pelo seu pai após a morte deste. A partir daí, Cony explora um delicado território que oscila entre a ficção e a memória a partir das reminiscências do pai morto. Os sentimentos contraditórios entre pai e filho, as amizades, as alegrias, as tristezas e os anos de convívio e aprendizagem parecem estar contidos dentro daquele embrulho preso por um barbante, com o qual só seu pai poderia ter dado aquele nó. Nó que os enlaça num afeto de cumplicidade e saudade reinventada após um período de adormecimento.
"Aquela maleta", continua Pamuk, "era uma velha amiga, uma poderosa lembrança dos meus tempos de menino, do meu passado, mas agora eu nem conseguia encostar nela. Por quê? Sem dúvida por causa do peso misterioso do seu conteúdo. Agora vou falar do que esse peso significa. Ela tem o significado daquilo que toda pessoa cria quando fecha a porta e se refugia num canto, diante de uma mesa, para exprimir os seus pensamentos – o significado da literatura." A partir daí Orhan Pamuk irá descrever seu medo e encanto de encontrar um pai totalmente desconhecido dentro daquela maleta. Um pai que por algum motivo pudesse ter sido um grande escritor sem ter publicado um único livro; apenas suas anotações. Mas, "a primeira coisa que me mantinha distante do conteúdo da maleta era, claro, o medo de não gostar do que pudesse ler. Como meu pai sabia disso, tomara a precaução de agir como se não desse muita importância ao seu conteúdo. Depois de 25 anos trabalhando como escritor, isso me incomodou. Mas não quis me irritar com meu pai por ele deixar de levar a literatura a sério... Meu verdadeiro medo, a coisa crucial que eu não queria aprender ou descobrir, era a possibilidade de que ele fosse um bom escritor. Era esse o medo que me impedia de abrir a maleta." Para Pamuk, um escritor é uma pessoa que passa anos tentando descobrir com paciência um segundo ser dentro de si. "Escrever é transformar em palavras esse olhar para dentro, estudar o mundo para o qual a pessoa se transporta quando se recolhe em si mesma – com paciência, obstinação e alegria."
O medo de encontrar um bom escritor no pai é porque ele sabia que seu pai amava a vida, a liberdade, os amigos e muita gente ao seu redor. E um escritor é uma pessoa que "fecha a porta e se recolhe com seus livros." Este é o belíssimo contraponto deste texto: seu pai em suas viagens para fora da Turquia sempre lhe trouxe livros de presente. Sempre recusou a mostrar-lhe um "mundo dotado de um centro". Esse olhar que se costura por fora da margem dos limites de seu país, era também um olhar construído a partir de alguém que sabia que a literatura abria outros caminhos que não só aqueles que rivalizavam o ocidente com o oriente. Assim, Pamuk aprendeu que viver era participar da vida real modificando-a através da escrita, pois tal como diz Mallarmé, "tudo no mundo existe para ser posto num livro".
Reconheço em Orhan Pamuk um processo muito semelhante àquele que encontro na psicanálise. Aliás, este mérito é do próprio Freud que dizia que os poetas e romancistas sabem muito melhor descrever os processos psíquicos do que os próprios analistas. "Para mim", diz Pamuk, "ser escritor é reconhecer as feridas secretas que carregamos, tão secretas que mal temos consciência delas, e explorá-las com paciência, conhecê-las melhor, iluminá-las, apoderar-nos dessas dores e feridas e transformá-las em parte consciente do nosso espírito e da literatura." Isso é exatamente o percurso de uma análise: explorar com paciência as feridas secretas – do inconsciente – para que se possa iluminá-las e dar-lhes outro destino. "O escritor fala de coisas que todos sabem, mas não sabem que sabem." Não poderia haver definição melhor do que é o estatuto do inconsciente: um saber não sabido. Seria isso uma literanálise? Creio que seu pai não poderia ter lhe deixado uma herança melhor do que esta. A transmissão de um mundo a ser continuamente reinventado através da ficção.


Carlos Eduardo Leal
Psicanalista e escritor

Para você que gosta ler ouvindo música, não perca o cd da Stacey Kent: "The boy next door"

segunda-feira, 25 de julho de 2016

AMOR E PAIXÃO: DESASSOSSEGOS DO DESEJO

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AMOR E PAIXÃO: DESASSOSSEGOS DO DESEJO

Três conferências
                                                                     

                                                                              Carlos Eduardo Leal

I)               O amor narcísico na histeria e na neurose obsessiva
II)            O gozo do Outro: paixão e pathos / sofrimento e angústia
III)         O desejo inquieto: vicissitudes da pulsão


Dias: 09, 23 e 30 de agosto
Horário: 20:00 às 22:00hs
Local: Rua Gavião Peixoto, 148, sala 1205. Edifício Louvre Center
Entrada Franca / Vagas Limitadas

Só poderão entrar aqueles que tiverem feito previamente a inscrição através do e-mail: celeal01@gmail.com  

terça-feira, 31 de maio de 2016

Reflexões para os tempos de Guerra e Morte


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"Reflexões para os tempos de Guerra e Morte" - Sigmund Freud
Segundo seus biógrafos, Freud escreveu este texto por volta de março e abril de 1915, cerca de seis meses após deflagrar a Primeira Guerra Mundial.

Este título ecoou em minha cabeça após acordar e me deparar com a estarrecedora notícia divulgada pela ONU de que 880 migrantes haviam morrido num naufrágio esta noite.
Quem eram? De onde fugiam? Qual guerra haviam deixado para trás? Que esperança carregavam estas pessoas? Quantas crianças haviam naquele bote? O que representava aquela nau constantemente à deriva já mesmo antes de sua partida? Quais eram os nomes de cada um dos náufragos? Por que os anônimos não são contabilizados?
Vivemos num mundo em guerra. Declaradamente não o é, mas basta um olhar mais atento para que se perceba o caos humano que nos tornamos: guerrilhas, narcotráficos, cercas, muros de contenção e/ou de proteção. Alarmes, furtos, roubos seguidos de morte (latrocínios), homens-bomba, (agora também utilizam forçosamente crianças e mulheres), células terroristas, países em constante desespero (Iraque, Kuwait, Afeganistão, Síria), outros em constante tensão Bósnia-Sérvia, Coréia do Note-Coréia do Sul, Talibãs, Al Qaeda, Estado Islâmico, Boko Haran, Sendero Luminoso ,Fatah, Hamas e tantos outros que fica difícil que a memória registre.
No plano político, há outras guerras como a crescente ascensão da extrema direita na Europa. Aqui no Brasil, golpes e mais golpes na esfarrapada democracia. Aliás, que democracia é esta na qual o controle efetivo das decisões em todos os níveis estão reclusos nas mãos de alguns em benefício próprio? Por acaso, não estamos diante de um tirania disfarçada? Que alianças são essas feitas pelo atual (des)governo que sujam o nosso nome com a clara intenção de continuar a sangria do povo para sustentar a casta elevada do poder? Que homens são esses que na calada da noite naufragam os barcos daqueles que tentavam fazer a travessia de suas vidas roubando-lhes a esperança de um novo emprego, de um hospital para acolher um doente ou uma creche para alfabetizar suas crianças? Criança-Esperança? Isto é um engodo neste país, pois sabemos que uma semi-final de um Big Brother fatura para a TV GLOBO mais do que um mês de arrecadação do Criança-Esperança.
Os níveis de poluição alarmantes ao desmatamento das florestas, das guerras bacteriológicas aos conservantes tóxicos nos alimentos.
A guerra continua: ontem fomos rebaixados para o 57o. lugar em competitividade internacional. O que isto significa? Menos investimento internacional e mais desempregos.
Neste mundo em guerra, o estrangeiro passou a ser o inimigo. "Poder-se-ia supor, porém, que as próprias grandes nações adquiriram tanta compreensão do que possuíam em comum, e tanta tolerância quanto a suas divergências, que 'estrangeiro' e 'inimigo' já não podiam fundir-se, tal como na Antiguidade clássica, num conceito único". Freud, ibid, pág. 313
O estranho, "das unheimlich", é o estranho não-familiar para o qual devo produzir tanto ódio para evitar que ele se aproxime demais e roube meu lugar, meu emprego, meus bens e minhas terras. Esta parece ser a tônica que vai se montando neste cenário bélico. Donald (Duck) Trump está aí mesmo para destilar seu ódio aos latinos, muçulmanos, ou seja, um ódio hitleriano ao diferente. E, pensem, ele não está onde está sozinho. Milhares o têm conduzido rumo à Casa Branca.
Para Freud, a guerra traz desilusão. Para ele a religião é produtora de ilusão. É o que temos presenciado em outra frente desta guerra: o fanatismo religioso das bancadas evangélicas (amigos me contam que a Universal em Portugal foi uma lástima, "uma verdadeira praga") e tantos fanatismos religiosos nos EUA ou daqueles que em nome de um 'Deus obscuro' (Lacan) matam, provocam guerras "santas", ou condenam escritores com uma 'fatwa' (édito religioso muçulmano que condenou Salman Rushdie a pena de morte).
"Na realidade,"escreve Freud, "não existe esta 'erradicação' do mal". Assim, entre a desilusão e a ilusão, precisamos reconstruir um caminho que seja ético. Uma das definições, das muitas que temos, sobre a ética é, simplesmente, "quando surge o outro".
Enfim, deixo-os com a reflexão freudiana neste mesmo texto: "Duas coisas nessa guarra despertaram nosso sentimento de desilusão: a baixa moralidade revelada externamente por Estados que, em suas relações internas, se intitulam guardiães dos padrões morais, e a brutalidade demonstrada por indivíduos que, enquanto participantes da mais alta civilização humana, não julgaríamos capazes de tal comportamento."
Hoje foram 880 náufragos. E, com eles, muito de mim também naufragou. Amanhã serão quantos? Que futuro queremos para a civilização? Será infinito o Mal-Estar?

Carlos Eduardo Leal

terça-feira, 26 de abril de 2016

Lisboa, Lisboa


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Lisboa, Lisboa, por que não moro em tuas casas? 
Tão docemente coloridas e de antigas roupas nas janelas?
Por que não me abrigas em tuas suaves mansardas?
Ó Tabacaria que abriga o Esteves e minh'alma vadia.
Azulejos tão meus que sinto o roçar de meus dedos em tuas cores.
Teus vinhos, teu Porto, identidade nacional, rubra também de vossa bandeira.  
O elétrico que sobe vagaroso tuas sete colinas, nele também estou. 
No Castelo de São Jorge, lindo minarete de onde descortino a multidão de telhados de cor inigualável.
Ó Tejo, rio caudaloso, recebe de volta minha nau na berma de tua vau.
Ó terra, ó saudosismo sem fim, atira para longe este louco,
que te ama e chora daqui.
Ou beije-me sofregamente como a um amante 
e aproxima-te de vez deste poeta que habita em mim. 
Abriga-me ó Lisboa. Abriga este desamparado nas palavras
para que elas habitem também os teus lábios.
Lisboa, Lisboa, Lisboa.


quarta-feira, 16 de março de 2016

Luis Inácio ou a queda da Função Paterna


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Luis Inácio ou a queda da Função Paterna
Quando Lula foi eleito presidente da República, ele, em seu discurso populista, foi visto como um grande pai. Sua mensagem direta e simples agradou ao povo que reconheceu nele um líder da esperança: um simples operário, sindicalista metalúrgico, poderia chegar ao cargo maior de um país. Rapidamente sua figura carismática foi elevado ao ícone de um pai. Um pai que socorreria seus filhos necessitados de proteção e cuidados.
O que aconteceu daí em diante todos sabem, pois a mídia é farta em re-cobrir todos os fatos.
O que me espantou hoje não foi a indicação de Lula a Ministro da Casa Civil. Isto está garantido pela constituição, embora o agora ministro esteja sendo investigado, etc, etc, etc.
Porém, assim fazendo, Lula faz uma manobra de alto risco para tentar escapar da investigação do Juiz Sergio Moro em Curitiba.
O que me espanta foi a atitude covarde do homem Luis Inácio, pois deixou sua esposa Mariza e seu filho Lulinha para trás (Eles serão investigados em Curitiba).
Aí está a queda da Função Paterna. Não de um ex-presidente, mas de um homem, um marido e um pai.
E quando há a queda da Função Paterna ele só pode assegurar aos seus filhos o desamparo.


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