domingo, 17 de março de 2019

Memento mori






Memento mori

O exato instante, momento último, com certeza único, porque jamais se repetirá. O instante-já em que o pincel na mão firme do homem irá encontrar a tela virgem. O momento mágico que antecede ou a queda ou a aurora. O lugar das coisas do futuro. O tempo e o espaço eclodem no mesmo ritmo. Absolutamente, ninguém sabe o que virá. Ancorados na iluminação das cores, a mão e seu pincel sabem sobre a incredulidade das cores e os mistérios do encontro como se fosse o primeiro beijo.
Penso nas mãos dos grandes mestres à procura deste instante-já. Penso em Dalí, Van Gogh e sua louca doçura, Rembrandt, Girotto, Sandro Botticelli, Francis Bacon, ah, a angústia de Bacon, Klimt, e mesmo a mão de Mozart segurando um lápis diante da pauta em branco.
Este instante-já, tão clariceano, me atinge como um raio que fere fundo o oceano sem fim.
A arte por fazer, a vida por viver e a pulsão por sublimar.
Carlos Eduardo Leal

quinta-feira, 7 de março de 2019

Horta de palavras

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Minha bisavó plantava palavras na horta. Era pra ser escondido de todos. Pra que isso, vó? perguntei inquieto. Bisbilhotice de menino que descobre segredo proibido. O que você faz aqui a esta hora, menino? To espiando vó. Só isso, respondi encabulado. Ela descansou a terra sob suas mãos e sorrindo disse: letras, palavras que precisam ser adubadas. Elas um dia vão crescer e virar histórias. Como as que a senhora conta? Melhores, meu neto. Impossível porque as da senhora possuem a sua voz melodiosa. Seus olhos encheram d'água. Com as mãos negras de terra me afagou os cabelos. Duas ou três letras rolaram pelo meu rosto. Ainda não formavam uma palavra, mas senti o gosto de uma intrigante história por vir. Que história a senhora está plantando, vó? A fantástica história de um menino bisbilhoteiro. Cúmplices, sorrimos com os olhos. Com as mãos trêmulas de emoção abri um buraco na terra adubada e ajudei a me plantar algumas palavras...
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