sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Desabotoado pelas palavras

Estou nu. Fico com vergonha disso. Explico rapidamente antes que pensem outra coisa sobre este texto. Estou nu de palavras. Elas me despiram. Procuro alguma para me (re)compor , mas não encontro. Tenho uma estranha sensação na pele, nos poros. Formigamento é o que se diz. Eles, os tais poros, estão tapados por falta delas. A respiração arfante/estafante me desfolha. Olho pela janela e me preocupo. Já é sexta-feira, dia 13. Não é que eu tenha alguma superstição, mas dizem que o dia é convidativo para o sobrenatural. Medo é uma palavra que enfraquece.
Na minha mesa estou rodeado de livros. Atrás e na minha frente empilham-se livros e mais livros. Recebi uma pequena herança. Foi do meu avô. Ele me deixou páginas e mais páginas. Talvez mihares/pequenos milagres. Páginas. Todas em branco, todas por escrever. 
Nesta tarde fiz amor com uma palavra. TItálicoalvez tenha sido ela quem tenha me deixado assim. nu, sem maiúscula. Mas se me perguntarem seu nome não direi. Não direi porque não sei. E por que não sei? Não sei. Era uma palavra que não cabia em nenhuma outra. Por isso fiquei desabotoado, apaixonadamente desabotoado. A cama era também uma página em branco. Oportuna para isso. Não havia margens. Nem a oposta. Fizemos alguns neologismos e outras catacreses. Foi um delírio. Sobrenatural. Ríamos disso. Hoje é sexta-feira 13. E daí? 
Naquela cama feita de papel de seda, eu escrevia delírios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens em Rimbaud. 
Acho que foi B. Johson que disse que "existem homens que parecem ter nascido apenas para sugar o veneno dos livros." Eu não. Nasci para sugar o veneno de todas as palavras, comer as letras tortas, mortas e regurgitar a capa e os calígrafos. Estes me dão enjoo com suas letras indeformáveis. Nesta tarde suguei todo o veneno, o mel e o fel daquela palavra. Ela me encantou por horas. Bebi todo seu leite/deleite. Eu já disse que hoje o dia está propício ao mais, ao mais além, ao mais-além das palavras? 

Calderón de la Barca me diz que A vida é sonho e leio atento ao seu poema:
Que é a vida? Um frenesi,
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonhos são. 

Puxo Quevedo para mais perto de mim. Ele estava na outra estante. Oblíqua. Parecia usado/pousado/ousado. O título já me fustigava as narinas: Os sonhos. E li:
As mulheres parirão
se emprenharem e parirem,
e os filhos que nascerão
serão de quem forem. 
Eu o perguntei do que se tratava. Ele sem titubear escreveu: uma profecia.

Fiquei com medo. Nesta hora não tinha palavra alguma para me recobrir. Lembrei dos milhares de livros que o meu avô havia me deixado. Muitos, todos. Todos em branco. Todos por escrever. Um horror. Fiz amor com uma palavra nesta tarde. Ou foi de manhã? As palavras parirão...foi isso que disse Quevedo? 
Foi este dia. Só pode ter sido. Senão não estaria assim. Despido de você.



3 comentários:

Patricia disse...

Estou emaranhada de palavras ... muitas, todas,mas estas que estão enlouquecidamente abotoadas em mim, não conseguirão ressoar o que senti no encontro com as tuas palavras. Mas me tranquilizo, porque sei que certas coisas são indescretíveis... Belíssimo texto !

Anônimo disse...

Seu texto me despiu de palavras, de tão lindo! Rsrsrs.
Abraço,
Adriana.

Paula Saraquine disse...

Que texto contagiante, vertiginoso... vivo.
Adorei.
Abraço
Paula