Com o tremor das mãos inseguras de um menino, ia desenhando palavras que iam e vinham em meu pensamento. Escrevia enquanto esperava que me buscassem na escola. Meus colegas passavam velozes por mim. Mãos dadas aos seus. Mas minha mão abraçava o lápis enquanto a outra acariciava a borda do caderno. Éramos cúmplices e solidários em nosso desamparo. A noite caía veloz e eu debruçava abismado diante do esquecimento. Não, não era a primeira vez. Porém, era a primeira vez que era habitado desta maneira pela palavra. Seria isto que os adultos chamavam de O Verbo? Eu estava inadvertido para estas coisas. Eu vertia, isso sim, com enorme rigor sobre a palavra. Fervia em mim outros verbos. Desfazia-me a carne. Mas eu não sabia. Não sabia que seria assim.
Uma sirene soou ao longe. Tremi no frio dos medos. Estava gélido, pálido. Marmóreo. Qual era a palavra que precisava aprender para erradicar o abismo que se avizinhava? Qual era a palavra-noturna que não cabia em meus olhos? Embaçava na falta de meus pais. E a palavra não vinha. Desterro era palavra-geografia. Esta não era. Era mais. Muito mais. Estava muito, muito mais em mim, quase me reescrevendo quando uma mão pousou em meu ombro e disse carinhosamente: vem!
E um túnel de luz descortinou-se na minha frente. Foi então que soube qual a palavra que faltava escrever...
12 comentários:
que lindo! um texto cheio de luz e sombra. adorei. beijos, M.
A entrada do outro iluminando a palavra silenciada... linda a mensagem que ficou, ao menos para mim.
Bjs pai!
Ai que lindo!
Pude montar a cena na minha mente e sentir um pouco da emoção do menino-Eduardo
Que dessas luzes todos tenham acesso!
Amém!
Abç
Menino assolado pela magia das palavras, belo texto!
É tão maravilhoso quando este túnel de luz se descortina na frente da gente. Hoje mesmo tive esta experiência divina! Maravilhoso teres deixado a palavra em suspenso...
Abraço, Silvia
PS: retomei Ruas de Pedras.
Teu lirismo é avassalador neste texto-geografia. Agora, é a mim que falta a palavra para traduzir o que achei. E meus pais não chegam para me socorrer...
Bj
Adri.
Tua palavra cinestésica me toca...
Belíssimo texto-bálsamo-poético...
Carlos Eduardo
Que texto bem gostoso de ler e na realidade mais parece um vídeo com a cena se desenrolando diante de nossos olhos! Lindo!
bjos
Anne
Carlos Edu,
Sempre um prazer ler você. Essa maravilhosa ode à descoberta me lembrou a caverna de Platão; quando descobrimos a palavra, não abrimos mão dela.
Beijos,
Raquel.
Lindo!
É como se esse menino encontrasse em si um novo mundo, seu mundo de significações próprias traduzido em palavras concebíveis (ou não p/ ele) mas, que no entanto, ao final de tudo, precisarão de um encontro com o outro p/ganharem sustentação e solidez.
Bjs.
Oi, Carlos Eduardo! Gostei muito do seu blog e estou seguindo. Parabéns pelos ótimos textos! Beijos!
Legal teu Blog. Já adicionei aos favoritos do meu computador. Vou ler outras vezes tua leitura da palavra escrita e desenhada. Um abraço.
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