quarta-feira, 8 de maio de 2013

Nu com D. Arlinda


Seu Gervásio, aos 73 anos, tinha lá sua rotina costumeira diária. Resultado do laxante da noite anterior, acordava já a passos acelerados ao encontro do alívio imediato. Depois, como também era de costume, descia as escadas de sua casa onde morava sozinho e ia para cozinha preparar seu café da manhã. Enquanto tomava seu leite quente com nescafé e comia uma fatia de pão light e queijo minas magro, Seu Gervásio ligava a televisão muito mais para não se sentir só do que para ver as notícias que eram a repetição do jornal da noite anterior. De madrugada não acontece o dia, filosofava ele. Não sabia muito bem para que  servia esta frase, mas já a usava há bastante tempo desde que sua esposa, D. Ermelinda, falecera. E lá se iam uns bons oito anos. 
A vida não tinha surpresas. Aos sábados e domingos seus 4 filhos e 9 netos se revesavam em visitas e almoços com o Vôvásio, como dizia o menorzinho de 3 anos. 
Mas naquela manhã de quarta-feira, um trivial incidente mudou os rumos da sua vida.
Depois do café e na segunda ida ao alívio imediato, Gervásio foi tomar banho. Não trancava a porta do banheiro porque não havia razão, pois morava só. Mas, cuidava para que o blindex de vidro branco fechasse hermeticamente para que não passasse nenhuma corrente de ar frio. Ao final do banho quando quis abrir a porta de vidro não conseguiu. Tentou mais uma vez com força e a porta nem se mexeu. Fez pressão, pensou. Espertamente jogou sabão, shampoo, condicionador e nada. A porta estava inabalável. Quebrar era impossível. Já não tinha tanta força para isso e, de mais a mais, poderia se cortar todo ao cair por cima dos estilhaços. 
Estava nesta situação dramática e já sentindo frio, quando a campainha da porta tocou. Lembrou que era quarta-feira, dia de D. Arlinda, sua diarista. D. Arlinda estava na casa há mais de trinta anos. Era um membro da família. Vira os filhos e netos nascerem. Lavou muita bunda suja e trocou muita fralda das crianças. Era empregada de segunda a sábado, mas com o falecimento de D. Ermelinda e a aposentadoria de Seu Gervásio, ficou combinado que ela viria as quartas-feiras e "quando precisasse". 
Ela tinha a chave da casa, mas isso foi apenas a sua sorte e o início do seu drama.
- D. Arlinda! Ô D. Arlinda!
- Estou aqui embaixo, Seu Gervásio.
- Pois eu estou aqui em cima no banheiro. 
- Ah, tudo bem. Vou aqui ajeitando a casa.
- Não, não está tudo bem.
- O Sr. está passando mal?
- Não. 
E pensou em dizer que estava nu, mas faltou-lhe pernas nas palavras. Seu Gervásio era homem correto, pudico, mania de pessoa do interior. Tinha lá seu recatos e a flacidez tornava tudo ainda mais vergonhoso.
- O Sr. está se sentindo bem? perguntou D. Arlinda.
Tomou coragem no frio que sentia e gritou:
- Nãooooooooooooooo. Por favor, venha até aqui no banheiro. 
Ouviu os passos apressados dos sapatos de salto eclodirem escada acima.
D. Arlinda deteve-se diante da porta entreaberta. 
- O que houve, Sr. Gervásio?
- A porta do box do chuveiro emperrou e estou preso aqui dentro. 
- Ai, que horror. ela gritou fininho. - O que o Sr. quer que eu faça? 
- Me dê a minha toalha porque estou com frio.
- Mas o Sr. não está nu?
- Estou, ora bolas. A Sra. já viu alguém tomar banho com roupa? Entre de costas, pegue a minha toalha pendurada no cabide e me ajude a sair daqui.
D. Arlinda não estava acostumada a uma situação destas. Já dera muito banho nos meninos, sabia o que era um corpo de menino, mas, solteirona e carola convicta que era, jamais havia visto um homem nu. 
- Estou entrando. Avisou como se ele não soubesse e esperasse por isso.
Cheio de cuidados ela entrou de costas assim como fizeram os filhos de Noé quando com um manto cobriram a nudez do pai. 
- Se a senhora não abrir os olhos não vai enxergar onde está minha toalha. 
E foi neste lance, na verdade foi apenas num ápice de segundo, que ao abrir os olhos eles se olharam através do espelho que fazia um ângulo preciso para onde estava o Seu Gervásio. E ela o viu nu. Ou melhor, eles se viram. E ao se cruzarem os olhares ela ficou tonta, cambaleou, as pernas estremeceram e o coração parecia que ia faltar descompassado que estava. Ele pressentiu e gritou:
- Num desmaia não se não a coisa vai piorar. E neste momento Seu Gervásio sentiu uma leve tumescência entre as pernas como há muito sentia. Estou vivo, pensou ligeiro. Sorriu descompassado no que a inusitada situação lhe permitia. 
E foi com o grito dele que ela se recobrou. Ainda corada, amparou-se na pia e, de costas, pegou a toalha e deu a Seu Gervásio. Ela já ia saindo quando ele falou:
- O problema ainda não está resolvido, D. Arlinda. A senhora precisa me ajudar a sair daqui. Eu já estou enrolado na toalha.
Então, num esforço supremo a porta destravou e os dois ficaram cara a cara pela primeira vez em muitos anos. Entre a névoa do banheiro sorriram. 
Naquele mesmo dia D. Arlinda voltou na sua casa só para pegar algumas roupas, outras coisas de uso pessoal e nunca mais saiu da casa de Seu Gervásio.  



  

2 comentários:

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Bjos, Silvia