“A infância brincava de boca de forno, chicotinho queimado, passar anel ou corria da cabra-cega. Nossos pais, nesta hora preguiçosa, liam o destino do tempo escrito no movimento das estrelas, na cor das nuvens, no tamanho da lua, na direção dos ventos. O mundo não estava dividido em dois, um para as pessoas grandes, outro para os miúdos. As emoções eram de todos.” Bartolomeu Campos de Queirós - Indez
Não é fácil se despedir de quem se ama. Toda despedida, se for sentida, torna-se saudade antes mesmo da partida. Saber da morte de um escritor, por mais que ele tenha deixado muitos livros, traduzidas em frases líricas, poéticas, histórias infantis, juvenis não é fácil.
Descobri o Bartolomeu já tarde. Gostaria de ter sido um menino (embora ele não escrevesse nesta época) para tê-lo lido desde cedo. A minha identificação com ele se deu através da simplicidade. Mineiro, gostava das coisas corriqueiras e acreditava que espanto era coisa que se aprendia com a alma aberta tal como a lua de boca aberta para as estrelas.
No sitio de meu avô as coisas eram assim. Se de dia ia para a horta é porque haveria de estar na mesa a couve que eu havia visitado cedinho com minha bisavó. Se ia ao galinheiro, no almoço lá estava o frango ensopado com as batatas. A morte era apenas a continuação do dia de outra maneira. As montanhas (sempre acreditei nisso) encontravam o céu em seus cumes. A vertente da montanha conversava com as estrelas durante a noite. De manhã cedinho eu ia contar as estrelas cadentes. Certa manhã cheguei a contar mais de cem. Elas diminuíam incrivelmente de tamanho e transformavam-se em gotículas d'água nas folhas de inhame. Foi meu avô quem me ensinou isso. Nunca duvidei de sua sabedoria para crianças.
Tinha com o Bartolomeu uma relação assim de neto para avô.
Hoje perdi outro vô contador de histórias e causos. Mas, não há de ser nada. Amanhã vou subir novamente no alto da montanha e tocá-lo com a ponta de meus dedos.
Até amanhã, Bartolomeu.
(Da Folha.com - Ilustrada)
O escritor mineiro Bartolomeu Campos de Queirós morreu na madrugada desta segunda-feira (dia 16/01/2012) em Belo Horizonte. Autor de mais de 40 livros, ele morreu em decorrência de insuficiência renal, informa a agência EFE.
Queirós tinha 67 anos, não era casado e não deixa filhos. Ele sofria de problemas nos rins e fazia hemodiálise regularmente. Ele estava internado no Hospital Felício Rocho
Seu corpo será velado esta tarde na Academia Mineira de Letras, da qual Queirós era membro.
Rafael Munduruca/Divulgação | ||
Escritor Bartolomeu Campos de Queirós morreu nesta segunda-feira em Belo Horizonte |
Nascido no município de Pará de Minas (MG), mestre e crítico de arte, trabalhou em diversos projetos de incentivo à leitura patrocinados pela Biblioteca Nacional e pelo Governo de Minas Gerais.
O autor estreou na literatura em 1974 com "O Peixe e o Pássaro" e se dedicou principalmente à literatura infantojuvenil. Seu trabalho mais recente é o autobiográfico"Vermelho Amargo", lançado em 2011.
Segundo a assessoria da editora Cosac Naify, ele deixa um trabalho inédito ainda sem título e sem previsão de publicação.
O autor recebeu inúmeros prêmios, entre eles o Jabuti, maior condecoração literária do país, e o prêmio Ibero-americano SM de Literatura Infantil e Juvenil de 2008. Bartolomeu foi, além disso, finalista em 2010 do prestigioso prêmio internacional Hans Christian Andersen de Literatura Infantil.
O prêmio Ibero-americano SM reconheceu "a transcendência de sua obra que se manifesta na profundidade dos temas abordados, o respeito pelo leitor, os desafios que teve de enfrentar, seu compromisso com a arte literária sem concessões e o caráter poético e filosófico de sua obra".
(Da Folha.com - Ilustrada)
7 comentários:
Também gostava do Bartolomeu
"Porque quando a dor é muita eu escrevo". E a vida se repete na estação. E assim... "chegar e partir são só dois lados da mesma viagem". Pra ficar na mineiridade. Evoé!
Pense no encantamento que as crianças no céu sentirão com suas histórias... Fazer uma criança sorrir alegra a Deus *,*,*,
"Uma estrela cadente que se transformou em gotícula d'água nas folhas do inhame."
Não o conhecia mas seu rosto tem algo de muito familiar!
Um pedacinho da prece de Clarice no "Livro dos Prazeres", pra acalmar a despedida: "Alivia a minha alma, faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade..."
Um forte abraço pra vc e todos que o amavam,
Valéria
"Viver exige legendar o mundo".
Quer coisa mais delicada? Mais uma simplicidade do Bartolomeu. Adorei o texto.
Beijos
Eu que não o conhecia antes de sua partida pretendo ler tudo que ele deixou. Quero desenhar a doçura das suas palavras.
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