terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Aula 3 - O feminino, o amor e o real em Clarice Lispector



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Aula 3 - 25/01/13


O feminino, o amor e o real em Clarice Lispector



"Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Esta terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar." p.15/16



Pensei na terceira perna como um sintoma. Em geral, um analisando não vem procurar uma análise por causa de algum sintoma, mas sim porque este sintoma já não serve aos seus propósitos. O sintoma, que até então tinha uma serventia e o ajudava em sua neurose, fracassa em sua função. 



A Terceira é um texto de Lacan em que ele diz que chama de sintoma aquilo que vem do real. (reservemos esta citação tal como fazemos com uma comida em que ela será usada na recita mais tarde e precisa marinar ou chegar ao seu ponto). 



Outra Terceira: A Terceira Margem do Rio de João Guimarães Rosa. É um lugar de invenção. Um pai que faz para si uma canoinha e sem falar palavra desamarra-se do mundo para ocupar o meio do rio. Permanece o filho a fazer-lhe um santuário, ou espécie de pequeno holocausto no qual ele próprio é que se imola perante um pai que não morre. Os sintomas são esta espécie de pequenos holocaustos da vida cotidiana em que nos oferecemos como dádivas ao Outro. Par quê? Ora, para que este Outro se compadeça de nós e nos livre de nossas amarras, de nossas culpas e fraquezas por não sabermos existir. 



Com Caetano: existirmos, a que será que se destina?



Então G.H. perde uma terceira perna que não lhe era essencial, mas que fazia dela um tripé estável e, portanto, dava-lhe garantias à sua existência. Ao perder esta terceira perna ela volta a ser o que não era. Como um sujeito pode voltar a ser o que nunca foi? Armadilha clariceana? Avancemos, trôpegos, com ela. Pois ela volta a ter o que nunca teve: apenas as duas pernas. Com estas duas pernas é que se pode andar. Então, até aqui como ela andava? 
Esta angústia, este unheimlich, esta estranheza em viver faz com que ela sinta a ausência inútil da terceira perna. Inútil porém era o que "fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar." Salvador Dali dizia: 'eu não procuro. Eu acho.' Este é o conforto do sintoma como coisa antiga, reconhecível pelo sujeito. Uma certa covardia moral em mantê-lo para não precisar caminhar sem mancar na vida. O sintoma é um subterfúgio ao viver. Embora também possa ser uma metáfora da vida, pois representa o sujeito ali onde ele quer mais se esconder. O sintoma re-vela o mais-de-gozar. O gozo perturbador. O gozo do Outro que questiona o que o sujeito é diante do mundo. Resposta? Angústia. Diante de um sintoma ao qual não se responde, surge a angústia como anteparo (muitas vezes a fobia surge neste momento e, como consequência, a depressão), mas também como impedimento de viver. 
É os sintoma que vem do real (agora retornamos com a frase ao fogo do texto) e, como tal, faz surgir o indizível da angústia. 



"Estou desorganizada porque perdi o que não precisava?"



Esta é uma bela definição do sintoma que surge em suplência muitas vezes diante de um medo infantil (angústia de castração, p. ex.) e que durante anos serviu ao sujeito como uma espécie de prótese e que foi se incorporando à vida do sujeito até que na vida adulta ele perde sua função de ser. Falta-a-ser. 



"Nesta minha nova covardia - a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la - na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei de simplesmente ir. É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um mode de me achar, mesmo que achar-se seja de novo a mentira de que vivo."



Aqui interrompo esta terceira aula para que os termos 'covardia', 'coragem' e 'mentira' possam reverberar até a quarta aula. Aguardo vocês com suas críticas e comentários. Che vuoi? 

Um comentário:

Luiza Scardua disse...

Suas aulas são fantásticas... Agora que descobri rssss... que posso retirá-las do seu blog e colocá-las em na página para os interessados, porém,principalmente para ler qdo der vontade aparecer...Simples assim, verdadeiro presenteo! Um abç
Desconte a ousadia, se não se importa... Eu prosseguiria repassando seus ensinamentos, ou seria..."dizeres"... "Escritos"... Aulas.....