terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Aula 4 - O feminino, o amor e o real em Clarice Lispector



Aula 4 - 28/01/2013

O feminino, o amor e o real em Clarice Lispector
                      

"Nesta minha nova covardia - a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la - na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei de simplesmente ir. É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um mode de me achar, mesmo que achar-se seja de novo a mentira de que vivo." (C.L. A paixão segundo G.H.) p. 16

"O desamparo inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os motivos morais."
S.Freud, Projeto para uma Psicologia Científica (1950[1895])

Na última aula deixamos em aberto 3 palavras: covardia, coragem e mentira. 
Comecemos pela última.
Freud, ao tratar sua primeiras pacientes histéricas descreveu suas histórias como 'proton pseudos', suas primeiras mentiras. Não devemos entender estas mentiras no sentido patológico do termo, mas sim um modo de tratar o gozo através de uma defesa contra uma dor insuportável: angústia de castração. 
Assim diz Lacan acerca dos 'proton pseudos': "Há uma alusão, de forma opaca, ao que não aconteceu no momento da primeira recordação, mas na segunda. Algo que não foi apreensível originalmente, só-depois o é, e pelo intermédio dessa transformação mentirosa - 'proton pseudos'." Livro 7 - A Ética da Psicanálise, p.95. J.Z.Editor. RJ                                    
Ou seja, no nível do inconsciente o sujeito mente. E essa mentira, diz Lacan, é sua maneira de dizer a verdade acerca disso.

G.H. diz que é preciso ter coragem para aceitar a covardia. Esta é uma questão ética por excelência. A ética pode ser pensada como um saber-dizer sobre a vida. Ter coragem para aceitar a covardia é também ter coragem para aceitar a castração. O não-todo da castração é que permite que o sujeito possa almejar alguma coisa para além do pai. Não-sem ele, mas com a condição de seguir em frente.

G.H. está nesta posição: diante da tomada de uma decisão ela, tal como Antígona, não recua sem que para isso faça de sua vida uma tragédia. Ao contrário. O que veremos descortinar é uma posição ética diante do amor e da vida. 
..."na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei de simplesmente ir."

Podemos pensar que 'o estrangeiro' é sua parte não cognoscível? Seu eu inconsciente? Ou será que o estrangeiro é aquilo que é estranho a ela? Estranho - unheimlich - neste sentido freudiano do termo, ou seja, algo que um dia lhe foi muito familiar, hoje retorna como não-familiar, estranho, um asco com o qual o sujeito não gostaria de se enfrentar: o real da coisa - a barata. Gozo indizível mas que será necessário atravessá-lo? 

"É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um mode de me achar, mesmo que achar-se seja de novo a mentira de que vivo."
Para se achar é necessário se perder? Até onde o sujeito pode ir em busca de sua verdade? Até onde irá G.H. para poder se achar? Retornar a mentira em que vive?
Quando a angústia emerge não há mais como voltar atrás. A verdade já não cabe mais em nenhuma mentira. Ela tornou-se grande o suficiente para engolir o sujeito. É preciso coragem, coragem ética para prosseguir. Ou pior: permanecer. Permanecer e não fugir.

"Não vivo, eu nunca nasci, eu fui empurrada para fora do corpo da minha mãe, o corpo se fechou e logo se virou para o meu pai, eu não existia." (Charlotte em "Sonata de Outono - Ingmar Bergman). 

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