Foto da minha sombra - EUA/2011
A sombra
No sítio me meu avô,
depois do café da manhã, eu corria para fora da casa para saber das novidades.
Não passava um dia no sítio sem que houvesse uma novidade. Mas, naquela manhã
ensolarada de janeiro, parecia que nada ia acontecer. Foi quando algo se moveu
bem diante dos meus olhos. Fiz um pequeno movimento e ela se mexeu novamente.
Assustado, quis correr, mas o troço me seguiu. Era minha sombra. Pela primeira
vez dava conta da minha sombra. Pela primeira vez a novidade do sítio estava em
mim mesmo. Corri para trás de uma moita e pensei: consegui enganá-la. Depois de
uma eternidade, mas que no tempo-criança deve ter durado uns cinco minutos ou
menos, saí devagarinho achando que havia conseguido despistá-la. Lá estava ela
ainda mais forte em sua presença ameaçadora.
Sem outra alternativa
que me coubesse na hora gritei entre aflito e atônito: Vô! Vôoooo!
Como um raio, meu vô
surgiu em sua costumeira calma, não sei bem de onde nem como.
- O que foi, menino?
- Não foi, vô. Ainda é.
- E o que ainda é?
E naquele instante
percebi que o mal também afetava meu vô. Mas, como avisá-lo sem levantar
suspeitas que o fizesse aterrorizar também? Lembrei da moita de capim colonial
e sem dar uma palavra peguei-o pela mão e o levei para lá. E, não sem muito
medo, contei-lhe o ocorrido.
Meu vô não riu. Ao
contrário, muito sério disse.
- Eu também já havia
reparado, mas não queria te contar nada para não te assustar.
- Quando é que o senhor
viu pela primeira vez? perguntei assustado.
- Mais ou menos quando
tinha a sua idade.
- E o senhor tem ela
até hoje?
- Tenho.
- Mas...não lhe mete
medo?
- Houve época que sim.
Foi época em que eu andava sozinho. Depois, aprendi que ela era minha melhor
amiga, porque aonde quer que eu fosse, ela era minha fiel companheira. Até
quando eu ia dormir ela deitava-se embaixo da cama esperando o dia clarear para
voltar a me fazer companhia. - Fez uma longa pausa, como que querendo me contar
algo muito importante, suspirou e disse: - Desde este dia eu soube que a minha
sombra revelava como eu estava. Se estava alegre ela pulava de alegria quando
eu assim também fazia. Se estava triste e cabisbaixo, ela reverenciosamente,
também curvava-se para coabitar o sentimento que eu estava passando. Descobri
ainda que ela guardava todos os meus segredos mais íntimos do coração. Que ela
é até mais fiel e amiga do que o Rex que me acompanha mataadentro quando saio
para caçar. Ela é nossa relação entre nossa verdade mais íntima e o mundo
exterior.
Foi quando o
interrompi.
- É isso que a vó chama
de alma?
Desta vez ele apenas
sorriu, não deu uma palavra, passou a mão nos meus cabelos, segurou firme na
minha mão e desaparecemos no dia.
4 comentários:
Assim como teu avô fez parte viva da tua infância, a minha vó materna também...
Conto maravilhoso de duas pessoas muito sensíveis!
bjs
Anne
"Ela é nossa relação entre nossa verdade mais íntima e o mundo exterior."
- Imanente? transcendente?
(...)
A própria sombra...
Que texto mais sensível, Cel! Amei.
Beijos
O que tem de simples,tem de verdadeiro. Vós e vôs são pessoas muito especiais. Para mim foram também.
Bjos
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