quinta-feira, 13 de maio de 2010

As montanhas e os livros

Paul Cezanne, Montanha Sainte Victoire

Sempre tive um enorme fascínio pelas montanhas. Mais do que pelo mar. O horizonte do oceano acalma. Acalma e cansa. Já as montanhas não. Elas são irregulares, sestrosas, desafiadoras para serem escaladas e descobrirmos o que tem por detrás delas; talvez outras e mais outras montanhas. Quando pequeno meu coração ia aos pulos de tanta ansiedade para chegar no alto de uma montanha mesmo de algumas que já fossem naquela época, velhas conhecidas. A visão do alto, do perder-se de vista, do vento cortando o capinzal florescido de vacas, o cheiro dos estrumes, a variação dos verdes, azuis e das borboletas formavam um espetáculo inesquecível. Quando a montanha tinha árvores o desafio era então maior, porque a floresta consistia do inexpugnável, do mistério a ser desvendado, árvore por árvore e atalhos vencidos. Decifrar como quem decifra os mais antigos hieróglifos da humanidade perdida sob um sítio arqueológico.
A variação das cores da mata, do mato, dos arbustos, das árvores que dependem de cada estação do ano, de cada hora do dia, de cada distância ou ângulo pelo qual se divisa seus entornos, seus contornos. Flores, densidades, orvalhos, sustos, manhãs, sulcos, ondulações, cavidades, espantos, seivas, rastros de animais, pegadas indiscerníveis, vento pegando de surpresa as folhas ao cair da tarde. Diante das montanhas sempre fui um Quixote. Sempre amei minhas loucas paixões, meus amores em desvario por elas. Sedento, galgava suas entranhas e gozava exausto em seus cumes.
Tudo diante delas compõe um mundo de mistério e descobertas: barulhos, grilos, passarinhos, frestas de luz, olhares perplexos para o azul do céu por entre as folhas das copas altas, pequenos riachos escorrendo por entre as pernas sulcadas após um temporal, árvores rangendo dolorosas seus caules, suas enervaduras, suas rancorosidades curvadas, suas copas a nos deitar sombras de Goya.
A lama por entre os dedos vadios dos pés, o capim a nos cortar ardido e fininho a pele, o suor descendo salgado pelo rosto do menino nas íngremes subidas e o cheiro, ah, principalmente o cheiro do capim virgem, colonial e sem barroquismos.
Quanto ainda teria a dizer sobre as montanhas, mas elas são muito maiores do que minhas palavras.
Assim, o que penso e sinto pelas montanhas é tão vasto que não caberia em todos os livros. Porém, tudo quanto penso, sinto e me aventuro pelas montanhas é fruto da mesma raiz que produz esta vertigem apaixonada que me faz curvar emocionado sobre os livros.

12 comentários:

Telma Miranda disse...

A mesma sensação também me acompanha. A recompensa após o esforço da escalada, sentindo o vento frio no rosto, fechando e abrindo os olhos diante do horizonte que é sempre o mesmo e sempre outro, a liberdade de se estar absolutamente só e - de tão leve - quase poder voar em direção ao azul. Dos montes gregos aos morros mineiros, sofro essa vertigem do salto, da liberdade de ser, da possibilidade de me embolar com o verde e, claro, voar até as palavras que acolhem meu mergulho no branco do papel.

Sônia Silvino (CRAZY ABOUT BLOGS) disse...

Olá!
Vim lhe fazer uma visitinha. E desejar um ótimo final de semana.
Bjkas, muuuuuitas!

Anne M. Moor disse...

A leitura da vida em cada morro, árvore, flor... É muito bom!

bjos
Anne

Sônia Silvino (CRAZY ABOUT BLOGS) disse...

Bom dia!!!
Que o seu domingo seja muito gostoso e cheio de paz!
Fico muito feliz quando você visita os meus blogs. Você pode acompanhar as atualizações e escolher aqui, dentre os vinte, qual o tema que mais lhe interessa:
http://blogsdasoniasilvino.blogspot.com. Ou... visitar todos e me fazer uma blogueira imensamente feliz.
Blogar me dá muito prazer. Visitar seu blog me dá muita satisfação, pois gosto das suas escolhas ao postar aqui. Receber as suas visitas é o maior presente para mim. Cada dia, ao ligar o notebook, espero sua visita ansiosamente, pois adoro você.
BONS AMIGOS

Abençoados os que possuem amigos, os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!

Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!

Benditos os que guardam amigos, os que entregam o ombro pra chorar.
Porque amigo sofre e chora.
Amigo não tem hora pra consolar!

Benditos sejam os amigos que acreditam na tua verdade ou te apontam a realidade.
Porque amigo é a direção.
Amigo é a base quando falta o chão!

Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros.
Porque amigos são herdeiros da real sagacidade.
Ter amigos é a melhor cumplicidade!

Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,
Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!

Machado de Assis
-Bjkas, muuuuuuuitas!-

Leonardo Villa-Forte disse...

Oi Carlos Eduardo. Caramba, eu também tenho essa sensação em relação às montanhas, e sempre a pensei tambem em comparação ao mar, mas mesmo assim, depois de ler esse texto, senti que passei a conhecer um pouco mais da minha própria sensação de encantamento pelas montanhas. Belo texto, isso é difícil de produzir, e eu pelo menos senti isso.
Ah, legal que você gostou do MixLit. Lá no próprio site você pode fazer comentários em cima dos textos, se quiser. Tenho botado um texto novo a cada semana. Acompanho o Veredas e gosto bastante. Um abraço.
Leonardo.

celeal disse...

Obrigado Leonardo,
Vamos nos falando, lendo, escrevendo. Aqui tb, se quiser, use o espaço. Existe um espaço um pouco desativado chamado "outras palavras" de amigos, colaboradores, escritores ocasionais, poetas marginais, enfim, quem tenha um amor pela palavra , mas não precisa ter necessariamente pelas montanhas..rs. Se quiser escrever algo me envie para celeal01@gmail.com que eu publico.
Grande abraço,

VIRGINIA L. DE PAIVA MELLO disse...

oi carlos eduardo,
as montanhas são muito maiores do que as palavras mesmo, até que se diga imensidão, infinito.... em minha imaginação, acrescentaria a todo esse encantamento, na volta p/ casa, um café bem cheiroso e saboroso, passado no coador de pano, junto a uma deliciosa e ainda morna, broa de milho assada no forno a lenha. pra completar essa delícia, a tardinha, ia cavalgar e se bem acompanhada então... ah! eu perdia as palavras. rs
adorei o texto, vc sabe o qto curto as montanhas, cachoeiras, o céu, as estrelas, montar a cavalo, ... tudo isso faz parte da minha natureza. ô saudade!!
bjus*
vi

Ana voou disse...

Hum... Gostei!
Elas (as montanhas) amaram, me pediram pra reler umas cinco vezes, sentiram saudades de você...

Maria Regina de Souza disse...

Para mim as montanhas tem um significado todo especial, pois nasci e cresci no meio delas, em Petrópolis- RJ. Traduzem força e um certo mistério e mágica.
Um abraço

Anônimo disse...

carlos:
vim conhecer.
um abraço.
romério

Joana Dias da Cruz disse...

Oi Carlos Eduardo,
Lindo o texto. Amei!!!!
Venho sempre lhe fazer visitas, mas nunca comento.
Hoje, em especial, as montanhas... eu amo demais.
Bjsss

agendario disse...

Achei o texto muito inspirador, embora eu prefira o mar à montanha.Essa montanha do Cezanne, então, é muito especial e ilustra bem o texto.Muito boa a escolha.Gostei.Neize