sábado, 30 de maio de 2009

Além de mim...

Abri o céu. Não-todo. Havia subido no topo da montanha mais alta de mim mesmo quando senti que era iminente, ou melhor, que não havia outra coisa a fazer senão esgarçar aquele ar já extremamente rarefeito em meus poros, nos meus olhares sem culpa. A lua e os efeitos das marés já haviam ficado para trás há centenas de vestígios possíveis. Tudo se esfumaçava e o que se chamava de bruma era o ontem confundido com o despertar alumbrado. Perdia lentamente a consciência das coisas e o teu sabor que sempre esteve no contorno mais extenuante da minha memória, desvanecia delicioso como um orvalho no precipício da manhã. Sorri um vestido de lembranças íntimas possíveis e tudo me era vasto, claro, estelar, liberal e, perfumadamente campesino. Subi mais um pouco, abri constelações nunca vistas e rios sem bordas derramavam-se em afluentes que orbitavam o tempo mais-que-perfeito. Tecidos cobertos de estrelas serpentearam-me num êxtase que não havia nada de estóico, muito pelo contrário. Deparei-me com jatos oníricos de rastros de algum asteróide embevecido por testemunhar aquele momento, contornei galáxias espiraladas que uivavam para dentro dos buracos negros e faziam suas luzes sumirem para reaparecerem em segundos incalculáveis. Frenesi, talvez conviesse chamar um universo de palavras por dizer. Mas nenhuma era suficiente. Nenhuma cabia dentro da alma da frase.
Então, foi assim que não me restando outro sentimento aqui na terra, abri o céu. Não-todo, volto a dizer. Mas o suficiente para que no topo da minha vertigem pudesse apaixonadamente te encontrar de soslaio e, você, cadente, candente, sorria misteriosa como que a iluminar a noite anterior.

10 comentários:

Anne M. Moor disse...

Viagem estelar nas asas do delírio... Que delícia de viagem e que delícia de texto!

Parabéns.

Beijos

celeal disse...

Anne,
Obrigado pela sua leitura e escrita, aqui e no seu blog, sempre sensível.
bjs
Carlos Eduardo

Unknown disse...

Carlos Eduardo,
Em todos os planos, por todos os vieses, o texto soa como sinfonia de um instante de completude na nossa precariedade! Beleza pura! Obrigada por este compartilhar!
Rosa Maria

celeal disse...

Rosa Maria,
Compartilhar palavras é como compartilhar o mais íntimo de nós mesmos. A alma encantada, colhe então os frutos da genealogia cujas origens remontam aos tempos imemoriais: desde que o sol nascia para dar luz à lua.
Com carinho,
Carlos Eduardo

Anônimo disse...

Abrir o céu, mas não-todo é uma imagem tão humanamente encantadora! Talvez só os poetas saibam que amar é parte disso. Soslaio, rastros, vertigem, mistérios: tudo é não-todo. É o que se insinua para além do mais-que-perfeito.
Lindo texto, poeta!
Abraço,
Adriana.

celeal disse...

Adriana,
É preciso também ter olhos de poeta/escritora/leitora voraz, para saber do não-todo que encanta.
Bjs
C. Eduardo

Silvia King Jeck disse...

Dias atrás comentei como gosto de ver e de "ouvir estrelas", parodiando nosso Bilac. Me transportaste para a Serra Nevada da Califórnia na rede embaladora de tuas palavras. Sensaçóes se aninham em mim... Obrigada. Beijo

celeal disse...

Ora direis, ouvir Silvias,
São muitas estrelas, que em suas quedas, se transformam em palavras-escritas, palavras-leitoras, palavras-palavras...
Beijo,
C. Eduardo

Raquel Abrantes disse...

Não estou nem um pouco surpresa... Achei maravilhoso. Aquelas sessões de terapia continuam no contorno mais extenuante da minha memória, com a qual brinco de bolhas de sabão toda vez que preciso refletir sobre o que quero ser.

Beijos,
Raquel.

celeal disse...

Raquel,
Que bom te encontrar por aqui, nestas outras palavras, outros textos, outras tramas e tessituras. Seja super bem vinda e volte sempre,
Bjs
Carlos Eduardo