Não se mate
Não se mate Carlos,
sossegue, o amor
é isso que você está
vendo:
hoje beija, amanhã não
beija,
depois de amanhã é
domingo
e segunda-feira ninguém
sabe o que será.
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se
mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém
sabe
quando virão,
se é que virão.
O amor, Carlos, você
telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se
sublimando,
lá dentro um barulho
inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se
persignam,
anúncios do melhor
sabão,
barulho que ninguém
sabe
de quê, pra quê.
Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você
é o grito
que ninguém ouviu no
teatro
e as luzes todas se
apagam.
O amor no escuro, não,
no claro,
é sempre triste, meu
filho, Carlos,
mas não diga nada a
ninguém,
ninguém sabe nem
saberá.
(Carlos Drummond de
Andrade)
Resposta ao Carlos Drummond
Querido Drummond, não se preocupe, pois hoje não me matarei.
O amor que se sossegue
em outro lugar, pois em mim desassossega, desaloja e atordoa.
O beijo veio num
domingo sem missa e entrou no contrabando do meu coração. O amor deixou um
rastro sem pistas e o grito ficou parado no ar. Não rezou: Ave, Carlos. Ficou
em santo pecado.
Não há a possibilidade
do luto, nem da luta. A morte escorre, Drummond, nas melancolias e na sorte que
abole o acaso. Mas, não se preocupe
poeta, hoje não haverá
morte. Pois não há uma segunda morte: a morte é um crime contra a morte.
Não, Drummond. Os
pássaros cantarão amanhã. É verdade que hoje eles adormeceram em pleno voo, mas
não se preocupe porque eles resguardaram sob suas asas as palavras que não pude
dizer.
Se tivesse dito aí sim
seria inevitável o manto da noite: capa negra sem rosto. Véu de foice.
Poeta, eu te peço
perdão por também ser Carlos, mas hoje não haverá a falta da vida.
Hoje, vivo: dúvida.
Amanhã, respiro:
saudade
Depois, ultimato:
suspiro.
6 comentários:
Carlos Eduardo!
Que lindo... o poema do Drummond e a tua resposta. Gostei muito de:
"Os pássaros cantarão amanhã. É verdade que hoje eles adormeceram em pleno voo, mas não se preocupe porque eles resguardaram sob suas asas as palavras que não pude dizer."
Estou de volta aos blogs e fechei minha conta no FB. Aparece. :-)
bjs
Anne
de carlos para carlos...
uma das minhas poesias preferidas do drummond
uma sensibilidade imensa em respondê-la a altura
meu medo [da morte, do amor e das respostas] é tão grande que nem me atrevo...
um beijo,
Anne M. Moor,
Obrigado pelo carinho de sempre das tuas palavras.
Voltarei ao teu blog sim.
Bjs
CEL
Marcele,
Imagina, à altura do meu gauche Carlos. Só o nome, só o nome. bjs
Oi Carlos Esduardo. estou de volta após longa ausência, até para te dizer que não é só o nome não! Perfeita simbiose na resposta. Aguardamos mais do gênero. Bjo, Silvia
"Hoje, vivo: dúvida.
Amanhã, respiro: saudade
Depois, ultimato: suspiro."
Bonito! Digo: agora sorrio.
Abraço,
M.
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