terça-feira, 27 de setembro de 2011

É ele!

Cena do filme  ",Duel", "Encurralado", de Steven Spielberg


É ele!


Noutro dia a tarde tinha descido para tomar um café num intervalo do meu consultório. Estava retornando, pois já estava quase na hora do meu outro paciente, quando cruzei com uma mulher pela calçada. Nós nos conhecíamos. Ela estava com uma amiga. Creio que era amiga porque elas conversavam. Mas, assim que ela me viu ela disse para a outra mulher: É ele! É ele! Sem entender o que passava fui ficando preocupado. Mas, ela insistiu e apontou o dedo que senti como se fosse acusatório. É ele! Saí o mais rápido que pude daquela cena e procurei me refugiar numa farmácia. Mas creio que o rapaz que estava na porta percebeu tudo que tinha acontecido do outro lado da rua. E, sem pestanejar gritou: É ele! Saí correndo da farmácia pensando em qual crime eu havia cometido. Qual teria sido o meu delito, pecado maior. Lembrei que em criança em passava cuspe na mão para bater figurinhas. Lembrei também de uma rolinha que matei no sítio do meu avô. Lembrei do gato que eu e meu irmão pegamos e jogamos dentro de uma tina de água. Houve também os jatos d’água que jogávamos nos passageiros do bonde que passava diante de nossa casa.
Saí correndo da farmácia e quando fui entrar na loja de roupas o segurança me barrou. E, com uma voz possante, gritou: É ele, é ele!
Corri o mais rápido que pude pela rua. Quando olhei para trás já havia uma pequena multidão correndo atrás de mim. Uns jogavam pedras. Outros corriam com pedaços de madeira e até uma faca eu vi tremeluzindo sob o sol daquele terrível final de tarde. Corri o mais que pude, mas as pessoas estavam quase me alcançando quando consegui entrar num táxi que acabara de deixar um passageiro. Porém, assim que entrei, no rádiode comunicação da central de táxi uma voz metálica, destas gravadas soou novamente o alarme: Atenção 149! Atenção viatura 149! É ele! É Ele. Olhei para a identificação pendurada no espelho retrovisor e li estarrecido: Motorista: José Mauricio de Abreu. Número do táxi. 149.
Assim que o táxi parou no próximo sinal tentei abrir a porta para fugir, mas percebi que ele havia trancado a porta. Gritei, pedi que ele abrisse. Ele virou-se calmamente com um sorriso irônico nos olhos e disse. Você não pode sair. A corrida ainda não está paga. Joguei uma nota de cinqüenta reais sobre seu colo e gritei para que ele abrisse a porta. Impassível, ele estacionou o carro e falou. Não posso deixá-lo sair enquanto não te der seu troco. Vi que ele ganhava tempo. Percebi que tudo aquilo era um complô. A rua aonde ele havia parado era deserta. Só agora me dera conta. Implorei assim mesmo para que ele abrisse a porta e me deixasse sair. Disse que precisava voltar ao trabalho. Implorei pelos meus filhos, mas nada disso adiantou. Desesperado, voei sobre seu pescoço para enforcá-lo, mas percebendo a minha atitude voltou o cotovelo para trás que me acertou em cheio o nariz. Estava quebrado. Agora eu sangrava e o sangue estava quente de medo e dor.  Enquanto o sangue escorria sobre a minha camisa pensei que aqueles seriam meus últimos momentos de vida. Queria ter me despedido dos meus filhos. Queria ter me despedido de tantas pessoas que amo. Talvez, quisesse ter me despedido de mim mesmo, mas já não havia mais tempo.
Bateram com força na minha janela. Outra vez a pancada mais forte. Dois homens encapuzados me esperavam do lado de fora do táxi.
Assim que me puxaram para fora, perguntaram ao motorista. É ele! É. É ele sim. Como se já não soubesse aqueles filhos da puta.
Colocaram-me dentro de outro carro com os vidros escuros. Deram-me um soco na cabeça e me vendaram os olhos.
Quando voltei a mim tudo girava numa enorme confusão. Pouco a pouco fui abrindo os olhos. A luz entrava como que me cegando. Doíam-me os olhos. Estava cansado, fatigado. Pouco a pouco fui recobrando os sentidos.
Miraculosamente, pois não sei contar como tudo o que se desenrolou depois, eu estou sentado aqui, nesta cadeira diante desta mesa a olhar para a mulher, minha aluna, que naquela tarde disse: É ele!


Escrito antes de ir dar aula, e lido para meus alunos nesta manhã de terça-feira, 27 de setembro de 2011. O fato de eu ter encontrado minha aluna e que ela tivesse dito para a amiga: É ele! realmente existiu. Mas como estava com pressa não pude parar para falar com ela.
  Carlos Eduardo Leal

3 comentários:

Beatriz Peixoto disse...

Gostei muito deste!!

Anônimo disse...

A vida ilumina a arte.
Meu carinho, escritor.

Anne M. Moor disse...

rsrsrsrs Carlos Eduardo a tua imaginação foge por entre as palavras! Que desespero! :-)

beijão
Anne