quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A palavra escrita é mágica



Toda palavra que uso para escrever é mágica. Não sei de onde me vem esta necessidade de preencher lacunas, espaços invisíveis entre meu pensamento e a ponta dos meus dedos. Não sei de onde me brotam as palavras. Simplesmente elas aparecem. Posso não gostar de uma ou outra. Tem dias que não gosto de nenhuma em especial. São as mesmas sendo outras, ou o avesso disso. Mas isto é totalmente alheio a minha vontade. Escrevo por desejo, escrevo por não saber-me de outra maneira. Sinto um afeto enorme na alma quando as palavras dançam na minha frente copulando freneticamente. Este afeto nem sempre é afetividade da maneira como estamos acostumados a descrever este fenômeno. Na maioria das vezes não é. Angústia talvez seja seu nome. Agora, após escrevê-la, tenho certeza. Mas isto não é um nome que se escreva, mas sim um nome que se sinta. Muitas vezes é impossível escrever uma palavra, por isso ela se torna mágica. Ela está ali. Bem ali defronte de nossos olhos, mas não conseguimos escrevê-la.
Sinto uma enorme nostalgia em calçar palavras desusadas. Noutro dia tropecei com uma assim. Estava passando por uma plantação de trigo, o vento começou a roçar nos vértices e descrever uma parábola para esta palavra que possuía uma cor estranha, jamais ouvida, jamais sentida em sua diminuta austeridade. Era uma palavra sem dor. Achei engraçado isso, pois até onde a minha memória possuía lembrança, as palavras mais encardidas eram aquelas entre o azul das possibilidades e o horizonte onde toda morte repousava suave. Para mim toda palavra tinha ao seu final o dom da tristeza pela partida que ela já continha em seu interior. Por isso toda palavra possuía um certo aceno, um adeus ao ser escrita. Eu era sempre aquele que ficava no cais, olhos marejados na alegria, diante da imensidão do mar que levava minha palavra para seu destino oculto.
Queria recolocar a dor em outros termos: fertilizar feridas no sentimento e ruborizar os moralistas desavisados. Deparar-me com uma palavra escrita sempre foi estar aberto ao mais e nisto também há magia.
Passei a ponta dos dedos sobre o trigo e meu coração parou congelado. Não morri, é claro, se estou a escrever, mas ler o que eu li apenas passando a ponta dos dedos como um cego faria, fez com que o tempo emudecesse entre a saudade e a esperança. Fiquei ali, de resto. Apenas aquela palavra a me fazer companhia. Isto era o perigo pressentido: depender de uma única palavra para se mover no tempo sem que o verbo se fizesse carne.
Foi assim que a palavra escrita se fez em mim. Não vi quando ela chegou ainda sonâmbula na madrugada da vida, nem de onde veio.
Do inconsciente constato que ao escrevê-la posso dizê-la de um outro lugar ainda não habitado pelo verbo. A sonoridade da palavra escrita é quando ela já não cabe no papel, transbordando-se assim para um lugar só meu, tão meu que sou capaz de tocá-la eroticamente com a ponta dos dedos, tal como um cego, já disse. Percebo que neste movimento meus olhos constantemente se arregalam para fora do Jardim.
Então, escrevo-a tatuada em meu corpo e, de uma maneira estranhamente mágica, vejo-a reaparecer como leitura nos olhos teus.


Ps: Ler ao som de Time after time de Chet Baker.

15 comentários:

Anne M. Moor disse...

Ler e escrever ou escrevinhar e ler é fazer amor com as palavras. É o encanto de desnudar-se pela escrita!!

Maravilhoso texto que tem o movimento de um pêndulo...

Beijos
Anne

Salomé Mello disse...

E quando as palavras nos magoam, e quando as usamos para ferir alguém... ou amar! pelas palvras eu sou eu mesmo...
beijo.
Fico à tua espera

Ana Paula Gomes disse...

Quanta magia para descrever o que é escrever para aquele que lê. E escreve, delira, ilusiona. Que maravilha! E a escolha da música é perfeita. É a palavra em voz, cantada, encantada.
Bjos,
Ana Paula

Renata Vilanova disse...

sim, aproveito a palavra encantada pra descrever o que sinto ao ler tal texto, tão deslizante, poético, lírico. sinto isso ao desenhar e é assim tão bem descrito por aqui, como jardins que se bifurcam, como Borges, que com cegueira aparente parece sempre tocar os trigais da fruição. me imaginei tocando as palavras de um livro de areia, infinitas e tão elas quando lidas. obrigada, mais uma vez. bjs. renata

cristinasiqueira disse...

Com estas palavras nascidas perfeitas em seus lugares, prontas na oficina dos dedos táteis,do monólogo do artesão fiz a comunhão ,bebi o vinho,celebrei em mim o universo possível pelas almas encantadas em versos silenciosos que nos atravessam em sossego e ousadia.
O outro que me abranda em códigos,simbolos,sons,composições de humanidade.
Belo!-o generoso dar-se da escrita.

Com admiração,

Cris

Apareça.

cristinasiqueira disse...

Oi Carlos eduardo,

Bom dia e boa semana.
Li seu comentário agorinha mesmo.Fico feliz com sua passagem pelos meus espaços.
Lá no www.cristinasiqueira.blogspot.com postei COLAGENS compondo com uma tela do pintor Salvador Paulmark,catalão.
Aguardo seu comentário.

beijos,

Cris

Batom e poesias disse...

Porque foi falar das palavras, que gosto tanto?

Porque foi escrever exatamente da forma com eu escreveria, se talento assim eu tivesse para a prosa?

Porque esse seu texto me comoveu tanto?

Sei lá, mas tenho certeza de que quando acontece algo assim, vale a pena seguir de pertinho.

Rossana

Anônimo disse...

Foi bom passar por aqui. Lindo texto!
Abraço,
Adriana.

Tatiana Monteiro disse...

Li tanta palavra-líquida por aqui que me deu até vontade de tomar banho delas... já sei! Vou escrever! Obrigada meu querido, por ser sempre - sempre - uma inspiração para mim. Saudade. Beijo. Tati

Sofia Fada disse...

Nossa, me identifiquei demais com este post. Também travo um relação diária com as palavras, desde que me entendo por gente. E elas colorem e adocicam a minha vida, sempre que escrevo. E sempre que leio algo que me toca, como o seu texto.

beijo,
Sofia

CHRISTINA MONTENEGRO disse...

Até Weber (e seu "desencantamento") preferia que ESSE tipo de encantamento se mantivesse...rsrsrsrs
Parabéns pelo lindo texto!

VIRGINIA L. DE PAIVA MELLO disse...

a palavra é mágica qdo conseguem dizer um pouco do q sentimos e pensamos. da palavra surge a frase, o texto, a história, a música e a poesia. da palavra surge a necessidade de nomear ou significar a angústia, dor de quem vive, de dizer o dizível ou o indizível, de lamentar também, o que falamos ou escremos e não lemos ou escutamos. ai, as palavras! esse movimento é muito bom, mas nem sempre satisfatório, o q eu lamento muito.
parabéns pelo texto.
gde abraço,
vi

VIRGINIA L. DE PAIVA MELLO disse...

ah! é linda a música, adorei!!
bjus*
:)

Flor de Bela Alma disse...

Menino, morri...e o que seria dessa vida se a gente não pudesse morrer de vez em quando, não é?!
Sei que amo Chet Baker, mas com suas palavras a música tomou um outro destino e avançou outra dimensão da existência que estava um tanto adormecida em mim.
Achei muito, muito sensual e bonito tudo aqui.
Um abraço: Bianca

Manuela disse...

Olá Carlos.
Primeiramente, devo lhe comunicar que encontrei teus escritos mediante uma pesquisa-google sobre a escrita. Estou prestes a escrever um artigo sobre psicanálise e escrita, e gostaria muito de poder utilizar este belíssimo texto de sua autoria para ilustrar este trabalho. Peço sua autorização para tanto. Parabéns pelo texto tão expressivo e humano.
Um abraço,
Manuela