segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Angústia: o peso do ódio * Trabalho apresentado no IX ENAPOL


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Angústia: o peso do ódio

Carlos Eduardo Leal – Niterói, Rio de Janeiro

Nada é mais temível do que dizer algo que possa ser verdadeiro. J. Lacan
Lacan dirá que o ódio pode ser uma paixão lúcida. Jacques-Alain Miller

A verdade é uma lucidez? Pode uma verdade insuportável tornar-se um ódio fulminante? Uma passagem ao ato? Até que ponto a verdade cega e, é-se tomado pela cólera, a ponto de o ódio desferido ser um mais-além do sinal de angústia?
A ideia deste trabalho não é responder a estas questões que considero essenciais para se pensar o ódio, mas repensar a partir da clínica e dos movimentos sociais, que lugar cabe ao analista em relação à seta envenenada que o outro desfere.
Quando digo que esta questão concerne ao analista é porque as duas epígrafes conversam entre si a partir deste lugar: a clínica psicanalítica. Lacan, nesta frase colhida em “A Direção do Tratamento e os Princípios de seu Poder”, pergunta-se em 1958, ‘quem analisa hoje’? Miller, por sua vez, interroga em “La Transferencia Negativa” a questão da ‘dissimetria’ e a ‘suspeita’ que surge do lado do analisante a respeito do analista. Nos dois casos o que está em jogo na partida é o analista enquanto um Sujeito suposto Saber.
Se ao sol e a verdade não se pode olhar de frente, e, uma vez descortinada a verdade, então o que cega no sujeito? Ou, o que cega ao sujeito?
Duas hipóteses podem ser aqui pensadas. A primeira é de que a angústia é uma verdade sem um saber. Este é um balizamento analítico importante. Então, estar de frente para a verdade sem um saber que o ampare, pode fazer com que, a partir deste ponto de angústia, o sujeito possa ir mais além dela fazendo desferir seu ódio contra o ser do Outro. Acontece que este Outro, e esta é a segunda hipótese, está no próprio sujeito. Portanto, desfere-se um golpe contra o outro tentando atingir um saber suposto ao Outro. Aqui há os três registros propostos por Lacan: a consistência imaginária, o furo no simbólico e a ex-sistência do real. O que atinge desde o exterior ao sujeito, produz uma desestabilização imaginária, produzindo uma quebra no simbólico e fazendo emergir o real. O real aqui como puro ódio ao ser.
A palavra no ódio perde a garantia identitária passando a ter valor de passagem ao ato (Ver esquema do seminário A Angústia, p. 22). Nada a segura, nada a detém e seu único objetivo torna-se no furor de destruir o outro. Este ódio é estrutural ou fenomênico?
De um ponto de vista ou de outro, é importante retirá-lo da ambivalência em relação ao amor. Este sim atrelado à um desejo de saber. Por isso o manejo do ódio na clínica deve ser fundamental, pois na transferência negativa pode funcionar como um horror ao saber do Outro. O ódio não tem uma vertente imaginária da agressividade (Lacan, Escritos. A Agressividade em Psicanálise). Embora
O fascismo e o nazismo podem ser tomados nesta dimensão? Como um nada querer saber sobre o saber do Outro? Hannah Arendt em “Sobre a Violência” nos diz que o máximo da violência não é o todos contra um, mas sim o Um contra todos. A tirania impetra ao outro seu ódio. Um ódio decorrente de um saber do qual ele nada quer saber. Não se trata apenas de desferir seu ódio ao outro, mas sim de também aniquilá-lo. A “solução final” como os nazistas diziam a respeito dos judeus. Se Lacan dizia que os canalhas não eram analisáveis, talvez devamos incluir também aqui e, justamente por esta razão, os fascistas. Trata-se de um modo de gozo absolutista do Outro que nada quer saber de um saber não sabido, ou seja, do inconsciente. Nada querer saber de seu desejo é não o vacilar (mantendo seu autoritarismo) para que ele não se angustie. “O desejo, com efeito, constitui-se aquém da zona que separa o gozo e o desejo, e que é a fenda em que se produz a angústia.” (Lacan, A Angústia, p. 201) Por isso que, embora o sujeito prefira a dor, conhecida, de seu sintoma, o analista através de seu ato, faz surgir a angústia. Modulação necessária ao saber não sabido. Mas, se ao invés disso, há uma passagem ao ato ou acting out, surge então este ponto da extimidade (ver Miller, Extimidade. Buenos Aires: Paidós, 2011). Já não é mais o ódio correlativo à castração, este sim cabe na ambivalência ao amor, embora Freud nos alerte de que o ódio é mais antigo do que o amor, já não é mais o ódio enquanto inveja ou ciúme, mas um ódio dirigido ao ser. Por isso Lacan em ‘A Direção do Tratamento’ diz que o analista paga com suas palavras, com sua pessoa, mas também com o cerne do seu ser. (p.593) É aí neste ponto de báscula que se dá o giro para a transferência negativa. Este é um ponto de desnudamento, de desvelamento da verdade no qual se dá o osso de uma análise, para tomar uma expressão de Miller. No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho. Retoma Miller a Drummond. Mas ao invés de fazer poesia, este sujeito do ódio atira a pedra no olho da verdade. Fura-a e agora este Outro intolerante, misógino, fundamentalista e xenófobo, vai fazer de tudo para impedir a travessia do imigrante, quando na verdade é ele que migra de um lugar para outro em sua subjetividade. É ele que não está mais lá em eine andere schauplatz, nesta outra cena que é a do inconsciente.
Esta lucidez que lhe abre a uma verdade totalitária provoca um avesso da psicanálise? É do Discurso do Mestre que falamos ou do Discurso Capitalista no qual “o declínio do Estado-nação é também o fim dos direitos do homem” (Agamben, Meios sem Fim: notas sobre a política. Autêntica, p. 27)? ,
O corpo é o suporte do discurso, diz Lacan em “...ou pior”, Livro 19. Portanto temos que o gozo do Outro incide sobre o corpo enquanto que o gozo fálico é o que dá suporte à linguagem. Continua Lacan: “no discurso do mestre/senhor, vocês, como corpos estão petrificados. (...) Entre o corpo e o discurso há algo com que os analistas se deleitam, chamando-o pretensiosamente, de afetos.” E sabemos que para Lacan há um afeto que não engana: é a angústia. Portanto, a verdade sem um saber não é sem um objeto. Porém no ódio este objeto torna-se visível.
Esta lucidez do ódio seria então correlata à queda da função paterna? A um “ir além do pai” prescindindo justamente dele? Então este ódio que não se refere à castração tangeria à perversão?



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