domingo, 7 de maio de 2017

A INTERNÉPOLIS

Resultado de imagem para rede de comunicação


A INTERNÉPOLIS


Definitivamente, está criada a Internépolis. Isto representa, atualmente, um modo de viver mundial conectado à internet. Não se trata de uma cidade, de um estado e muito menos de um país. Vivemos numa era internáutica onde não damos dois passos - segmento mínimo para nossa caminhada -, sem que olhemos a condição do tempo, o WhatsApp ou o engarrafamento nosso de cada dia. A Internépolis é uma sensação que aponta para dois pontos opostos de uma mesma função: por um lado nos dá a sensação de pertencimento e de ligação à outras pessoas e/ou comunidades, o que nos dá uma sensação de fruição de bem-estar para nosso eu narcísico. Por outro lado, esta mesma conexão, ou falsa conexão, provoca-nos uma sensação de niilismo, redução ao nada, e nos ocasiona um vazio existencial pela percepção de que irremediavelmente estamos sós.
Vivemos numa de conflitos e contradições: numa era de muros sem fronteiras. E ainda não arranjamos uma maneira saudável e sábia de lidar com isso.
O futuro que nos aponta a Internépolis é sombrio e também maquiado ao gosto daquilo que os seres humanos querem ouvir. No entanto, seres-máquinas apelam à razão e a um quinhão de humanidade num mundo onde os 'mass media' predominam com um poderoso excesso de informação com baixíssima formação e domínio de vários aspectos da cultura. Por exemplo, para que aprender idiomas se os aplicativos vão te ensinar a traduzir todas as línguas? Se já temos "home office" com coeficientes de economia espantosos para as empresas, será que em breve não teremos todas as crianças em "homeschooling" (só no Brasil já temos 6 mil crianças sendo educadas em casa) onde os alunos aprendem, no assim chamado "ensino doméstico" através de aplicativos, todas as matérias?
E o que faremos com a socialização do recreio? E o que ensinaremos aos nossos filhos sobre o respeito à fala do outro, o lugar, a vez e mesmo o exercício natural e saudável do diálogo e mesmo as brigas e os primeiros amores? E o que esperaremos da relação já tão difícil, mas fundamental entre professor-aluno?
A Internépolis tem feito do planeta um enorme 'business' com a promessa ilusória de transformar a imagem em riqueza.
O modo como o mundo se polarizou entre correntes partidárias (o renascimento da extrema direita e o levante da extrema esquerda para combatê-la) é um modo de como a Internépolis e os cidadãos se organizam, ou seja, como escolhem, com a astúcia da razão fundamentada em princípios vendidos pela própria rede, como enfatizar, atenuar ou calar(deletar) uma notícia ou uma pessoa de seus contatos. A extrema sensação de poder causada pelo valor imagético e simbólico das palavras, praticamente esvazia sua condição de ser-para-o-mundo. É como se disséssemos uns para os outros a todo momento: se você não fizer parte do meu pensamento político-psico-teo-sociológico, vou te deletar. A ameaça concretizada com um simples apertar de uma tecla ou uma função, faz com que cada um reedite para si o livro 1984 de George Orwell, no qual o Estado fazia isso com àqueles que eram contrários ao regime. Como ainda se faz na China, Coreia do Norte e outros países controlam com mão de ferro seus cidadãos. Simplesmente os elimina da vida e, num passe de mágica aquela pessoa "não te incomoda mais". O próprio Facebook ensina: "Como fazer para que uma pessoa pare de me incomodar". E ainda te dá instrumentos modelos de perseguição e acusação: 'é spam, não devia estar aqui, é impróprio', etc. Será que nos tornamos um 'aparelho ideológico do Estado' Internépolis? Para usarmos a antiga expressão de Althusser?
Como eu dizia, isso dá ao sujeito uma pretensa sensação de poder (eliminar o outro) com a ilusão de que ele possa realmente eliminar o Outro que não existe. Ou que possa eliminar todos.
Assim como os jogos para as crianças não tem mais o "Game Over", são jogos ininterruptos, a televisão também proclama "nunca desliga". E nós? Estamos fadados a nunca mais desligarmos? Os shows "Unplugged", os acústicos, eram ótimos e mais intimistas. Estes também quase não sabemos mais deles.
A Internépolis nos expôs e nos retirou a privacidade em ser íntimos para o outro e para nós mesmos. A perda da intimidade é também a perda da privacidade. Os "nuds" que a garotada faz uns para os outros estão aí para confirmar um certo infanticídio provocado pelo excesso de exposição. O fim da inocência tem sido decretado diariamente pela Internépolis. Nossa civilização do espetáculo prima pelo fim da singularidade. Das infindáveis selfies às listas intermináveis de gostos e predileções, abrimos o cardápio de nosso convívio silencioso com nós mesmos para um turbilhonamento ruidoso e escancarado, uma mostração sem fim de uma espetáculo de puro prestígio e tentativa de reconhecimento.
O grotesco neste espaço infinito e tempo super escasso de nossa Internépolis, não é bem a exposição ao outro, mas a perda da capacidade de nos espantarmos com tudo isso e, principalmente, a impossibilidade de fazermos um luto pela perda daquilo que é íntimo, privado, singular e pessoal: a dimensão do tempo nos foi roubada e jogada para dentro de um espaço ilimitado e ninguém percebeu.
Carlos Eduardo Leal
Psicanalista e escritor


Nenhum comentário: