quinta-feira, 26 de junho de 2014

De volta à Terra: Sebastião Salgado ou o olhar em preto e branco sobre a natureza




Sebastião Salgado

Preto e branco, preto e branco, preto e branco. Não. Não queira ver cores na obra de Sebastião Salgado. "Não preciso do verde para mostrar as árvores, nem do azul para mostrar o mar ou o céu. A cor pouco me interessa na fotografia." Esta é uma das belas passagens do livro "Sebastião Salgado: Da minha terra à Terra", escrito pela jornalista Isabelle Francq que empresta seu texto à voz daquele. "A fotografia á para mim uma escrita. É uma paixão, pois amo a luz, mas é também uma linguagem. Poderosíssima."
Sebastião conta a sua bela e rica trajetória de vida. Desde os tempos de juventude na esquerda militante brasileira, sempre ao lado de Lélia, seu auto-exílio em Paris (fugindo da ditadura) e largando para trás sua família em Minas, seu doutorado em economia, a descoberta da fotografia até seu último e longo trabalho que durou oito anos: "Gênesis".
Interessado pelo social, adotou a África como sua referência mais próxima ao Brasil e, levado pela agência Magnum, mergulhou no deserto de seres humanos que lá ainda vivem. Desertificados pelo olhar ocidental. Seu fotojornalismo, como ele próprio diz, não é um fato político, mas sim um olhar afim de resgatar um pouco de humanidade àqueles povos esquecidos pelo resto do mundo. Não há cor na miséria. Não há cor na fome. Não há cor no empilhamento de corpos devastados pelas doenças ou nas balas das kalashnikovs  ( a famosa e temida AK 47) de outras tribos e etnias.
Se seu primeiro olhar foi para os seres humanos pobres e mutilados, seu ´Gênesis', último trabalho, foi um mergulho aos confins da Terra. Lugares onde o homem jamais havia pisado ou tribos que nunca viram um homem branco (e careca, como ele próprio diz).
Este livro e sua trajetória é um apelo para que voltemos nossos olhar endurecido de paredes, colunatas, vidros fumês e máquinas, de volta à terra. Que nosso olhar possa pousar no voo de um pássaro, no pisar possa estar em contato com a terra. Os pés dos índios são triangulares, por isso não escorregam, enquanto o nosso foi afinando dentro dos sapatos e perdemos o equilíbrio para andar na irregular e bela natureza.
Em seu projeto em Aimorés em Minas Gerais, seu instituto Terra já plantou mais de 2,5 milhões de árvores. "A árvore é a única máquina capaz de transformar CO2 em oxigênio."
Sua convivência com os índios (assistiu ao Amuricumã dos índios camaiurás, no alto Amazonas. Cerimônia de tomada do poder pelas mulheres sobre os homens que dura um mês) e tantas outras tribos que remontam a origem do mundo como os nenetses, a maior etnia da Sibéria sob frio de -30C e -40C.
Sua aprendizagem com seu filho trissômico (Down), o levou a olhar com maior humanidade outros seres humanos com problemas semelhantes. "Meu filho também sou eu". "Nada disso teria conseguido sem a ajuda de Lélia: brigamos, quase nos separamos, mas sem ela eu não teria o equilíbrio para a vida e a família. A visão dela é sempre de uma jovem", diz Salgado aos setenta anos. Lélia tem três anos a menos.
Um livro raro para todos aqueles que amam a natureza, mas sobretudo para aqueles que se esqueceram de como fazer para amá-la.
Sebastião Salgado: Da minha terra à Terra (com Isabelle Francq). Tradução de Julia da Rosa Simões
Ed. Paralela (Ed. Schwarcz). 2014

Carlos Eduardo Leal





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