terça-feira, 6 de agosto de 2013

Tribobó 1,2,3,4,5,6...

Ceci n'est pas une Tribobó

Tribobó 1
Aqui em Tribobó faz mais calor do que no Grande Sertão roseano. Algumas coisas fabricadas pelos seres ditos humanos exercem um poder de atração incomensurável. Hoje fui testemunha e eu mesmo fui abduzido por uma estranha e enigmática figura que não sorria, mas também séria é q ela não ficava. Tudo tão estranho q uma destas pessoas chegou a cortar a orelha. Ainda bem que não cheguei a tempo de ver. Já tinha feito um curativo com um pedaço de pano enrolado na cabeça. Aqui em Tribobó há um certo empuxa à estas coisas. Muito estranho. Tudo muito estranho.

Tribobó 2:
Outra coisa muito estranha aqui em Tribobó. As pessoas estão como no filme Ensaio sobre a Cegueira, do Saramago. Elas perderam a faculdade de ver e a sensibilidade do olhar. Elas só querem fotografar ou serem fotografadas. Absorto testemunhei este fenômeno ontem diante do enigma. Outra coisa. Estava maravilhado diante de um quadro (Tribobó teve uma época áurea na pintura), quando passou um casal diante de mim. Ele quase deu um grito para ela: este quadro é de fulano de tal! E i-midiaticamente eles pararam e soltaram uma exclamação: ohhhh!!! Melhor seria se tivessem soltado um pum. Ri do meu (mau) pensamento, mas achei q se quisessem ver grifes q fossem p um shopping ver Prada, Armani.
Outra dica: se vc quiser encontrar um objeto valioso, siga os chineses. Eles são como um enxame de abelhas num campo florido à procura de uma única flor. E...clic, clic, clic.
O estranho é, voltando ao enigma do sorriso é que atrás dela está Tiziano, Tintoretto, Signorelli, mas as pessoas passam ao largo. Um bj ou um abraço a quem convém...

Tribobó 3:
Por recomendação expressa e entusiástica, segui o conselho de uma amiga (Ana Paula Gomes)que recentemente veio aqui em Tribobó e fui ao Palais du Luxembourg ver a exposição de um gênio que nas cores que põe nos objetos retangulares, pinta vacas voando, animais azuis abraçados com noivas, um lirismo tão intenso que o dia poderia acabar ali mesmo. Não precisava mais. Clarice, uma moça que não estava aqui, havia me dito que este moço era bobo por colocar vacas voando. Eu já o conhecia, mas com tamanha intensidade não. Os olhos são o testemunho da alma.
Depois fui a uma montanha aqui em Tribobó onde muitos artistas pintam retratos dos transeuntes. Almocei num café, tomei sorvete artesanal feito pelos silvícolas locais, fui a uma torre enorme de ferro que está iluminada com as cores da África do Sul em homenagem a Mandela.
Depois...um luxo só: vi o final do Centésimo Tour de France. Eles, enlouquecidos em suas bikes, deram muitas voltas em torno dos Campos Elísios Triboboenses. Antes, desfile dos muitos, muitos patrocinadores em carros alegóricos. P.ex, um dos carros do Carrefour era uma baguette, outro uma cesta de pães, etc. A cidade parou para ver, ouvir e dar passagem. A moça triste que vivia calada sorriu e toda cidade se iluminou...d/ Chico.
Depois a noite foi iluminada... Sempre haverá Tribobó.


Tribobó 4:
Há dias aqui em Tribobó em que o melhor para se fazer é deixar-se ir pela cidade e descobrir outros ângulos inusitados, lugares impensados, cenas inimagináveis porque aqui o simples ou os pequenos detalhes podem fazer a diferença para o olhar e para a alma. É dia de ser como os triboboenses, comprar uma baguette, transitar a esmo, ir na Fnac comprar livros e cds e terminar o dia abraçado com um Chardonay gelado em Montmartre porque o calor está varando a noite. Tem dias, pela simplicidade intensa das pequenas coisas vividas, que a vida não cabe dentro da vida.

Tribobó 5:
Um jardim não é exaltado pelo seu tamanho, sua extrema simetria (dizem as línguas triboboenses, que Alain Resnais quando filmou Ano Passado em Mariembad, marcava no chão o lugar da sombra dos arbustos para continuar as filmagens no dia seguinte, exatamente do mesmo lugar), nem pela quantidade de suas flores. Mas quando se alia a tudo isso a Sagração da Primavera de Stravinski e Mozart, Bach então o jardim não é mais jardim e parecia que ia encontrar os Luíses XIV, XV, XVI e suas Marias todos ju.tos saltando séculos como Orlando de Virginia Woolf. Mas o calor extremo produz miragens e Versailles, uma espécie de vertigem visual daqui de Tribobó.
Amanhã desloco-me pelas terras de Tribobó que é tão vasta quanto os olhos da imaginação.
Se vocês não se opõe prefiro fotografar com palavras o que outros dão notícias pelas imagens. Nada contra, mas é um pequeno exercício meu de transmitir de outra maneira.

Tribobó 6/7:
a) Tribobó é o mundo. É maior que o mundo. São as veredas. Tribobó está por toda parte e em lugar nenhum. Por isso também é surrealista. R. Magritte nasceu aqui onde está o Magritte Musée no Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique. Enquanto caminhava ele me sussurrava algumas frases que se colavam imediatamente nas parede escuras: éel.>
Ainda pelo real, ele me confidenciou:
A imagem da palavra no inconsciente é sempre outra coisa me dizia minha bisavó Tavinha aqui em tribobó. Ela sabia plantar não só pés de couve. Sua especialidade era plantar palavras desgarradas, palavras em associação livremente surrealista: tomar cerveja ouvindo um quarteto tocando Vivaldi convenhamos que nada pode ser mais surrealista do que isso. Disse para Magritte que isto não é um escrito e ele me sorriu incendiando seu cachimbo.
E o dia podia caber num fim de tarde...
b) Esta parte de Tribobó tão ajoelhada perante as igrejas ou seriam as igrejas ajoelhadas sobre seus fiéis?
Góticas, barrocas...os holandeses invadiram as planícies.
Canais pequeninos fazem de Brugges um lugar mais romântico do que Guent.
O sol não vai mais se por em Tribobó.
Dalí, Miró, da Vinci...todos por aqui. Mergulhei nos canais imagísticos e tal como o Esteves sem metafísica da Tabacaria pessoana comi um chocolate.

Tribobó 8:
A paleta manchada seduz o olhar quando a poesia escorre como loucura. Mas o que é o sofrimento quando se transmuta em arte pura, iluminada? O que seria do amarelo se todos gostassem dos corvos? E do azul se todos enlouquecessem na primavera?
Porque a pincelada está carregada não só de pigmento. Os traços fortes do pincel acumula fenos, descascadores de batata, botas rotas com cadarços cansados, pontes que se elevam aos céus em busca de seu irmão: é quase sempre ele que o socorre sem metáforas. Porque a vida é dura, ensandecida e é preciso que os ciprestes cantem numa noite estrelada para que o mundo, pobre mundo, possa ter com o que para sempre sonhar. Por que nunca, com toda sua genialidade (meu deus, só pintou dos 27 aos 37) nunca vendeu um quadro? Agora seus quadros tornaram-se invendáveis. Tenho vontade de escrever-lhe uma carta, mas a emoção é tanta para minhas letras miúdas. Não é coragem que me falta. Talvez me falte emoção de menos. Um certo distanciamento para evocar a palavra a ser pintada. Não, por favor ainda não corte sua orelha, pois tenho mais duas ou três coisas para lhe falar.
... uma moça com brinco de pérolas veio me perguntar o que eu estava fazendo aqui em Tribobó.
- Estou desconstruindo palavras, respondi atônito.
... o braço dissecado da lição de anatomia deixava de escorrer sangue. Todos olham. Todos olham. Todos olham, mas parece que ninguém vê a desrazão.
Por que tantos têm medo da loucura?
Há que se ter todo o tempo do mundo para desaprender. Mas parece que ninguém quer o vazio. Todos só querem tudo pronto.
A arte não pode ser fast food.
Prefiro partir sempre...

Tribobó 9:
Não sigo a cronologia dos dias, mas a inconstante diacronia das horas porque o que queremos da vida é navegar para alargar as margens, romper correntezas da insegurança, subir muralhas dos inexpugnáveis castelos: vetustos, enrugados e enegrecidos pelo frio, os meses com neve, chuva e vento cortante. Da vida queremos margens seguras, mas insisto: o amor pela vida encontra-se nas beiradasdo não-saber. Amo o desconhecido. Tenho o fervor da fé pelas pequenas coisas e nem tanto pela imensidão dos grandes castelos. Impressiona-me mais o voo solitário do pássaro rio acima do que a velocidade deste. A beleza do rio está em nunca ser sendo sempre. Tribobó espalha-se além das fronteiras. Bom é seguir indo sem precisar dizer adeus. Não guardo saudades. Levo-as comigo e as espalho para os que não conhecem o sabor desta palavra... Ave, palavra!

Tribobó 10:
Meu vô, que tinha uma precisão enorme com as palavras, sempre que chegava aqui em Tribobó dizia: meu neto, relógio que atrasa não adianta. Aqui eles possuem uma precisão secular. Tudo chega a ser precisamente lindo. Preciso dizer mais? Pois só me alimento do im-preciso. 


Tribobó 11:
Todos os dias possuem a mesma quantidade de horas, minutos e segundos. Todas as pessoas possuem os corpos que lhes cabem. No entanto, quanto mais caminho nesta imensidão de Tribobó mais vejo a enorme diferença entre montanhas (em geral são feitas de rocha, terra, e árvores sazonais) e entre as pessoas. Tribobó é uma Babel e está longe de ser a porta do céu como seu nome indica (Baa-bel). O xenofobismo está escondido ou muitas vezes não (está declarado mesmo), sob o manto da aparente democracia entre as raças. O que percebo com tristeza é que quando há interesse de ambas as partes, a dureza dos códigos são quebrados em favor de uma pseudo e frágil cordialidade. Quando só um quer há, no mínimo, desconfiança. Quanto mais rígido é um sistema mais medo impõe pelas severas punições. Afinal, o povo de Tribobó tornou-se educado pelo medo das sanções ou o frio foi tornando-os distantes. Porque seus sorrisos são educados, mas me soam artificiais. Em suma, é uma região linda, mas muito Federer e pouco Nadal para o meu gosto.

Tribobó 12:
O rio verde esmeralda, as flores - em especial os girassóis - e as montanhas azuladas estão por todas as partes. A fotografia de hoje será o quadro de amanhã. Porém jamais poderá ser uma tradução fiel, pois mesmo que haja a (fide)dignidade da foto, a paixão de um momento jamais será a cor da saudade.

Tribobó 13:
Escrever não é diversão.
É desassossego da alma.
É ânsia de liberdade.
É desejo e pulsão.

Tribobó 14:
Estar entre montanhas que encostam no céu é como estar entre os deuses. Há música no ar. A montanha branca derrete-se de amor pelas árvores. Há um gesto de amor no ar pela grandeza generosa da natureza. Suspira-se como quem encontra sua amada. Os olhos são pequenos para tanta emoção. Por isso, tal como as montanhas, ele também transborda. Redescubro aqui em Tribobó novos olhares, novas palavras como se o tempo fosse um instante e a mão da mulher amada o rio prateado que corre veloz ao encontro dos meus braços.

Tribobó 15:
A música é um fenômeno universal. Aproxima diferenças e põe nações cantando em uníssono como se a antiga Babel tivesse dado certo. É isso: a música é a Babel que alcançou os céus sem escada, mas com escala.
Bem-aventurados os que cantam porque permitem a união das diferenças.

Tribobó 16:
É pouco dizer que a mulher é um continente negro, como disse Freud. Passando por entre os bosques (e também a floresta negra) com muitos riachos serpenteando as árvores, penso que a mulher tem muito mais do enigma e mistério dos bosques com os rios que banham seus corpos do que com um continente negro. 
De qualquer maneira amanhã vou conversar pessoalmente com ele para tirar isso a limpo.


Tribobó 17:
Encadeei meu nome com o teu nas margens da paixão.


Tribobó 18:
Intolerância: quando passei eles estavam afinando os instrumentos. Fui o primeiro a chegar e, emocionado, porque também comecei a estudar cello com a idade aproximada do menino sentado, fiquei ali ouvindo-os tocar Mozart. Em seguida passou uma senhora bem idosa e disse alguma coisa para eles que pensei que ela estivesse querendo que eles fossem tocar num lugar mais movimentado. Ledo engano. Daqui a pouco ela voltou mais furiosa e jogou a estante com a partitura no chão. Perguntei a uma moça que estava pegando sua bicicleta e olhava também a cena bizarra. Ela disse que eles estavam fazendo barulho perto do restaurante dela. Me dirigi sério para ela, me curvei respeitosamente diante dos meninos e depositei alguns euros na caixa de violino aberta no chão.

Tribobó 19:
Nós somos como árvores andantes: nos alimentamos e nos frutificamos da terra. Precisamos da água que vem do céu. Do adubo que pode ser dado pelos amigos e familiares. Da poda, pois tudo não podemos e o limite dá ideia de nossa (in)finitude. Enfim, ramificamos de acordo com a força que vamos ganhando com nossos galhos, braços para os necessitados e raízes, pernas para avançarmos por novos caminhos, outras veredas.

Tribobó 20:
A vida é relativa. O que seria do amarelo se todos preferissem ouro e não Van Gogh? Mas muitos preferem o ouro do que este. Quando é que o respeito às diferenças torna-se intolerância?

Tribobó 21:
Foi Pieter Bruegel quem me ensinou a gostar de psicanálise. Eu não tinha mais do que seis anos e sempre olhava fascinado os quadros dele num livro que ficava na mesa da sala. Van Gogh foi a paixão pela pintura, mas os mistérios e enigmas do ser humano foi Bruegel.

Tribobó post-fácil:
Caminhar por estas veredas na verdade foi um reencontro do autor consigo mesmo. Inclusive com o desconhecido. Vocês poderiam me perguntar como isso é possível. Res-pondo com uma frase bem conhecida: não me procurarias se já não me tivesses achado. Ou, eu não procuro. Eu acho.
Então, quanto menos dava por mim através de Sigmund Freud, Gustav Klimt, Giacometti, Rembrandt, Kokosha, A. Warhol, Kandinski, Modigliani, Peter Paul Rubens, Tintoretto, Picasso, Paul Klee, Egon Shiele, Mozart, Strauss, Wagner só para falar de alguns que (re)encontrei no dia de hoje. Claro q há uma centena dos quais não lembro os nomes: clássicos ou contemporâneos, vídeos, instalações-uma mulher deitada nua num colchão com algumas cores, sem se mexer e esconder a respiração. Havia quem duvidasse se era real ou não. Minha conclusão? Também não sei.
O que houve nestes dias? Não tenho a menor ideia. Onde estive por Tribobó?
Talvez vocês saibam mais do que eu, pois alguns tiveram o descuido de me ler. Eu não. Já não posso continuar. Tenho que continuar. Não posso escrever. Tenho que me encontrar com Molloy, Malone e...Beckett para vocês.
Até a próxima. Obrigado aos que me acompanharam até aqui. Estive em bons olhos. Carinho meu...

... e na volta.

Declaração de amor ao meu país

Pudesse eu morar em qualquer país
Meu coração ainda seria brasileiro.
Se tivesse que ser escravo, exilado ou prisioneiro
Ainda assim seria brasileiro.

Porque ser brasileiro não pertence a mim.
Sou por registro civil e orgulho de amar a terra
E o povo tão povo, tão novo de novo, sofrido
Que braça a remar sob o alto sol tropical deste mar.

Mesmo se não me quisessem aqui
E fosse estrangeiro de mim mesmo
Ainda assim seria verde e amarelo
Desterrado, mas amando-o por inteiro.

Ainda que pudessem acabar com toda a terra
Por causa da devastação (pobre patriazinha, tão minha!)
Eu seria o mais imortal dos mortais
Para fazer renascer o descobrimento (pois há sempre o que mais revelar).

E tudo quanto fiz, penso, viajo ou faço
Vejo que não há gente melhor (mesmo que diante de tanta insolação da razão)
Pois há quem plante vida e regue com suor
Amassando a farinha e repartindo os filhos com o pão.

Vai tu José e traga aquele gado pastando pro leite desferver a fome
Vai tu Maria e traga aquela cacimba d'água pra sede do menino
Vai tu Maria, José, Cabriolinha, Nezinha, JôDias e Severino
Ajunta tudo que temos que o povo não se vende pro estrangeiro
O povo daqui minha gente, tem muitos que inté num sabe de lê
Mas canta e sofre e ri e trabalha o ano inteiro.





Ps: A sugestão de publicar tudo junto foi de Mabel Mow a quem agradeço a ideia. 






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