sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Teatro-linguagem



Cena 1 - Sirvo-me das palavras em desuso para fazer um ateliê de antigas emoções. Costuro cenas no teu corpo ensolarado com a luz que brota dos teus olhos. Deste filme-êxtase recorto frames de felicidade e os penduro no varal dos sentidos perdidos. No antigo galpão de instalações desavisadas, adormeço sobre tua pele e acordo grávido de nós dois. (Fim do primeiro ato)
Cena 2 - As roupas insinuadas dançam sobre uma poltrona nua verde água. Um raio de música perfuma o ambiente. Inebriados, loucos, quase-estrelados, rodopiamos feito marionetes azuladas. Fios brancos pendem sob nossos ossos expostos. Há uma água que cai veloz por detrás dos nossos sonhos. Vamos nos banhar. Retiramos algumas letras (as mais preciosas) do corpo. Não chegam mesmo a formar sequer uma palavra. Mas as abandonamos sobre o assoalho fresco, ainda com a lembrança dos nossos corpos. Um vento mais duro parece que vai varrê-las para longe. Estaremos realmente despidos se isso acontecer. E não haverá nova possibilidade. Trememos um medo imaginado. O abraço é forte, mas não sensual. O silêncio varre o vento. Estamos a salvo. (Fim do segundo ato)
Cena 3 - O calor encobre horizontes. Penso em você como um horizonte sobre o qual não quero adormecer. Debruço-me sobre a linha que divide céu e mar. Ouço um grito. Outro. Depois outro mais forte. Um riso descontrolado. É você em mim. Desce o pano. (Fim do terceiro ato)
Cena 4 - Só há um feixe de luz no canto do palco. Corremos para lá com o intuito de nos banharmos de um pouco de lucidez que vinha do lado de fora. Não precisávamos de muita. Era só para não cairmos nos esquecimento de quem éramos um para o outro. Nossos cílios se tocaram. Havia tanta intensidade naquela curvatura de corpos que se existisse uma corda, seríamos um instrumento. Tocamos mesmo assim um ao outro. Era leve e agradável. Houve um som. A mais linda música imaginária. E dançamos nus ao som da intensidade indescritível para o grande palco da vida. Cai o pano. (Fim do quarto ato)
Cena 5 - Corre! Corre! Corre! Eu grito numa espécie de insanidade coerente. Você vem de lá e ziguezagueia na minha frente como alguém que se afasta de um perigo que não se sabe de onde nem o quê. Tomo sua mão como que para dar-lhe uma direção. Você está suada. Exausta de tanto gesticular. Me pergunta em qual direção. Ponho a sua mão molhada sobre meu peito na altura do meu coração. Você estanca imóvel. Sorri imóvel. Me abraça imóvel. Escorrega imóvel sobre meu corpo. Agora teu suor é outro. O perfume que exalas do teu sexo também é outro. Excitada, olha para mim e, decidida, afirma: vou correr mais. A luz se apaga. (Fim do quinto ato)
Cena 6 - Dois feixes de luz descem em paralelo (distantes uns dois metros) do teto até o chão. Estamos aprisionados dentro deles. Continuamos sem nossas roupas. Eu falo que precisamos sair desta claridade com urgência. Você não me escuta, mas diz a mesma coisa. Eu também não te escuto. Estamos olhando para a frente como se não pudéssemos olhar um para o outro. Grito o seu nome. Você não olha. Você grita o meu. Para mim não há som nenhum. Falamos ao mesmo tempo coisas incompreensíveis. Parecemos já exaustos. Tentamos arrancar a luz que nos circunda sem sucesso. Falamos ao mesmo tempo: Não há salvação. Olhamos para o chão e percebemos um livro. Ele estava lá? Desde quando? Falamos juntos. Com cuidado como se debruçássemos para segurar a mão de uma criança prestes a despencar de um desfiladeiro e pegamos o livro. Há muita poeira nele. Sopramos. O pó atravessa os raios de luz. Abrimos o livro e conseguimos dar um passo para fora da luz. Há um livro que nos guia. Eu disse para ela. Não precisamos mais desta luz artificial. Ela me olha, sorri, assente com a cabeça e depois com os olhos. Com o livro ainda aberto numa das mãos, andamos em direção ao outro até nos darmos as mãos. As luzes vão diminuindo. Só existe a silhueta de nossos corpos. Continuamos andando até cairmos nos olhos do leitor-espectador. (Fim do sexto e último ato)   

4 comentários:

virginia paiva disse...

intenso!! bonito d+

Ana Carolina disse...

Lindo!!! Adorei essa sua face dramaturgo. Só faltou uma coisa: após a passagem dos atos, os aplausos!
Beijos

Izabel Cristina Pasa disse...

Lindo,Lindo tinha que ser voçe.

Celina Beatriz Villanova disse...

Ufa! Merece uma montagem... Adorei, deixa eu respirar agora!