A função do olhar na obra de Clarice Lispector possui um papel desconcertante. É um olhar que não acomoda, não captura o todo, não silencia e mais, desassossega. Um olhar que se abre para o espanto, para a alegria do pecado maior, para a dor, para a descompletude do Ser. Mas, ao mesmo tempo, ousadamente extrapola os limites de onde deveria se encontrar. É um olhar que deseja saber mais do que deveria e acaba por encontrar o que não esperava: restos fragmentários do feminino que assim, aos poucos e a cada vez, começam a costurar o manto de um longo e difícil aprendizado. Um quebra-cabeça sofisticado e misterioso. Simples e imagético. Profundo, verdadeiro e sensível. Como ela própria diz: "mas, veja meu amor. A verdade não é boa nem má. Ela é o que é." Assim é o encontro do olhar de Clarice com a verdade que se esconde por detrás da verdade: a ficção por vir.
O que nos interessa, enquanto psicanalistas, a função deste olhar? Até aonde ele pode nos levar? Qual é a relação do feminino, a mulher e o olhar nos textos clariceanos?
A mulher encontra o amor ao mesmo tempo em que lhe é revelado nada saber sobre ele? No amor está em questão um não saber? A angústia é definida: a) como uma certeza sem um saber e; b) como algo que não engana. Então, para a mulher, qual é a relação entre o descortinar do amor e a angústia? Seria verdade, como afirma Kierkegaard, que a mulher se angustia mais que o homem (frente ao desejo do Outro)?
Questões que serão discutidas na palestra:
"A testemunha: a angústia de ter visto mais do que devia." Psicanálise e Literatura ou melhor, Psicanálise e Clarice Lispector.
Terça-feira, dia 25/10 às 20:30. Rua Lemos Cunha, 442, Niterói.
3 comentários:
Gostaria de assistir mas estou longe!
Clarice e a psicanálise: paixões da linguagem. Gal
Nunca desejei tanto morar em Niterói....rsrs
"Saudade de tudo que ainda não vi"
Por essa trilha que vc nos abriu entre a obra de Clarice e a Psicanálise, pelo "auxílio luxuoso" da beleza de um tom que deu vontade de apludir, eu agradeço. Não é nada mau encontrar pares nesse universo de Clarice, pra dizer, com a psicanálise, da função desse olhar que "não silencia e mais, desassossega". Nas palavras dela: "Dar a mão a alguém sempre foi o que esperei da alegria".
Lacan diz no Seminário XI que, o de que se trata na Psicanálise é "fazer a menina falar", que o inconsciente é algo do não-realizado, o sujeito tem que ser chamado - Freud o chamou."O que me determina fundamentalmente no visível é o olhar que está do lado de fora". "A mulher não existe" - testemunha? Engastada num eu que não se sabe ali. E vem Clarice: "Sou a vestal de um segredo que não sei mais qual foi...Minhas previsões me fecharam o mundo. Como inaugurar agora em mim o pensamento?" Como o ser humano se realiza dentro da condição feminina? O sexo está no eu ou no sujeito? É nessa "ficção por vir" que o sujeito aparece? O sexo se faz por esse "manto costurado ao longo de um difícil aprendizado", numa invenção do feminino? Que desassossego...
Entre os celtas há histórias de mulheres que criavam seu corpo segundo sua vontade, sua voz e seu canto. Bom mesmo é ter alguém pra ouvir.
Um abraço.
Valéria Teixeira
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