
Pegou um pedaço de pedra e rabiscou a parede.
Pegou um lápis e rabiscou a parede.
O primeiro menino fez isso há seis mil anos atrás. Era o início da escrita cuneiforme.
O segundo menino, na minha infância.
Queria ser um artista das palavras, por isso rabisquei como entendia que meu irmão rabiscava os cadernos. Minha mãe achou engraçado eu dizer que queria ser rabisqueiro. Foi esta palavra, reza a lenda, que dizem que aquele menino inventou. Tinha então cinco, quase seis anos. Meu pai olhou sério e mandou apagar. O menino ficou triste porque havia achado bonito. Um grande ato de heroísmo, pensou. Queria fazer outros.
Achou uma máquina do tempo. Era o tempo da infância do mundo. Da escrita no mundo. Entrou numa caverna que depois saberia chamar-se Lascaux. E ali reinventou-se. Não havia nem pai nem mãe que o impedissem de nada. Sua caverna o autorizava a escrever nas paredes. Pintou bisões, corças, cavalos e ideias. Reteve as ideias num canto em especial. Chamou-as de pensamentos. E, pela primeira vez teve uma espécie de formigamento no peito. Afinal, sentia o que escrevia. Era engraçado pensar daquela maneira. Entendia pela primeira vez para que servia o seu coração. Seu pensamento era livre e voava leve como voam as nuvens. Subiu numa pedra porque a parede da sua caverna estava ficando pequena para tantas palavras-rabisco. Já não eram palavras soltas. Elas agora formavam uma história. A história da humanidade começava naquele momento a ser contada. E ele era A origem. Gostou de brincar de Gênesis. A luz oblíqua da tarde do sol penetrou até o fundo da caverna. Então, Fiat Lux! Ele ajeitou-se para escrever um pouco mais. Sorriu e escreveu seu sorriso na parede. Depois teve medo e lá estava escrito também na parede do meio. Inventou a palavra música e um grito surgiu-lhe da garganta colando-se entre colcheias na fenda da rocha. Estava sendo auto-alfabetizado. Criou o primeiro enigma para o primeiro hieróglifo, sua escrita sagrada. Não soube desvendá-lo. Mas ficou satisfeito com sua proeza de menino. Um enigma para ser desvendado pela humanidade. Para deixá-lo ainda mais intrigante, pegou um pouco de terra e esfregando com suas mãos, apagou metade dele. Pronto. Melhor do que um segredo, só a incompletude deste. Sabia que estava dando trabalho futuro para muitas pessoas. E muita dor de cabeça também. Ficou feliz em se considerar o primeiro empresário da Terra. E inventou a palavra inocência, mas para esta não conseguiu escrevê-la na parede. Escrevia sempre de forma tão leve que se apagava ao terminar de imprimí-la. O sol já havia se posto quando, quase que tateando, escreveu a palavra sono.
Quando sua mãe acordou no dia seguinte encontrou-o dormindo deitado no chão sobre um monte de folhas que ele havia arrancado de seus livros. Nas paredes estava "escrito" à sua maneira, tudo que ele havia "lido" no Tesouro da Juventude.