quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Dia roubado

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Fui abrir a página do dia (como faço todas as manhãs) e descobri que estava no amanhã. Aquele estranhamento do que não deveria existir estava lá. Era um vazio ou um buraco negro se eu estivesse no universo sem fim. Como pude acordar sem o hoje? Como isto foi acontecer comigo logo agora quando pretendia sair para o campo para colher a plantação anterior? Fique extático à porta. É verdade que consegui abrir a porta. Não foi sem algum esforço, mas ela rangeu e se abriu sem orgulho. Apenas me trouxe a sua serventia costumeira de me fazer passar. Mas, para onde? Como me debruçar sobre o vazio do dia se já estava no amanhã? Faltava o hoje. Fiz e refiz as contas dos dias da semana e do mês. A quarta-feira simplesmente não existia. Minha cabeça turvou-se num desolamento de ter sido subtraído um dia ao curso da minha vida. Já estivera sem fazer nada por vários dias. Mas era minha opção. Agora, sem minha permissão, sem minha escolha, enxovalharam-me o dia. Surrupiaram bem debaixo do meu sono a possibilidade de atravessar um dia. Como faria para pulá-lo? E se lá na frente me condenassem por pedirem explicações do que fiz na quarta-feira? Como responderia a este intervalo? Que ponte seria justificável para esta travessia? Pensei em voltar para a cama e dormir novamente para acordar no dia certo. Mas foi em vão. Não conseguia pregar os olhos. Estava mais alerta que Drogo, o personagem de O Deserto dos Tártaros de Dino Buzzati que sobe ao forte para vigiar por um ano o território inimigo e nunca mais conseguiu descer.
Seria esta minha condenação? Ficar para sempre com esta lacuna. Com esta sensação intervalar? Seria o que chamam de doideira que estava me acometendo? Loucura? O que seria do meu coração neste dia sem dia? Pararia de bater? E minha respiração? Faltaria o ar?
Na fragilidade da minha situação, fechei os olhos e arrisquei um passo para fora da porta do dia sem dia.

Carlos Eduardo Leal

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