terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Os laços do amor e as armadilhas do desejo

Resultado de imagem para mulheres q amam demais


Paixão: quando apesar da placa “perigo” o desejo vai e entra. Adriana Falcão
A loucura histérica é estudada há muito tempo. Existe uma curiosa passagem no Malleus Maleficarum, “O Martelo das Feiticeiras: Manual de Inquisição da Idade Média”, escrito em 1484 pelos inquisidores Heinrich Kramer e James Aprenger que diz: “Vós, Senhor, decretaste que a vergonha da culpa nunca há de vir sem a glória do castigo.”
Aqui o binômio crime e castigo de Dostoiévski foi substituído pela culpa e castigo. Mas de qual culpa se fala quando pensamos nas tais ‘mulheres que amam demais’? Há uma culpa e que ainda por cima mereça ser castigada? Estamos com Nelson Rodrigues que diz que Toda Nudez Será Castigada? Claro que não. A vida não é uma peça de teatro embora na histeria elas façam dramas ou mesmo tragédias em suas vidas amorosas.
Então, qual culpa e de qual nudez estamos falando? Ora, não precisamos ser religiosos para pensarmos que a princípio não existe culpa sem transgressão. Ou o sujeito fez a mais ou de menos do que deveria ser feito. Sentir-se culpado é, por si só, um ato de confissão. O problema da paixão (do latim: Pathos=patologia, sofrimento) é que esta não conhece limites ou fronteiras. Se a culpa é um dos balizadores para o refreamento do limite, na paixão, embora a mulher seja consciente de seu ato, ela não quer saber o que está fazendo. Ela irá invocar toda sua força/fúria tal como um vulcão no ápice de sua erupção para alcançar seu objetivo: conquistar o objeto amado. Deseja, portanto, ‘todo’ o objeto alucinado da paixão. Seu erro é imaginar que o todo possa ser alcançado.
Quanto ao castigo, substituiremos pelo nome de masoquismo: o prazer em sentir dor. Aí está a essência dopathos. O sofrimento ganha seu ápice pela posição submissa em que ela se submete ao outro. E, é claro, só há um masoquista se houver da outra parte um sádico. Diante do fato de implorar o amor do outro, o silêncio da indiferença mata o amor-próprio. É a ferida narcísica onde o “eu” (ego), imagem e consistência corporal, irá descer ladeira abaixo. Tal como um alcoólatra que não tem vergonha de seus andrajos rotos, a mulher enlouquecida pelo objeto de sua paixão se rasga toda, fica nua de preconceitos, vaidades e moralidades, prestando-se a qualquer papel para ter o que ela deseja. Não importa o preço. Não importa o vexame a pagar desde que ela tenha seu ideal.
Pois é nisto em que ela transforma seu homem: num ideal que irá satisfazer e curar todas as suas feridas narcísicas, suas insatisfações e fraquezas. Ele será o salvador de sua ruína amorosa. E ela, como boa fervorosa, crê que esteja diante de seu Salvador. Diante deste deus onipotente, sente-se novamente como uma menininha diante do desamor do pai. O drama edípico no binômio filha-pai-indiferente ou não afetuoso, avança na cena da erotização da vida amorosa transferida agora para alguém que ela pensa que irá ampará-la.
Mas, uma vez mais ela se sentirá angustiada e desprezada e, o que é pior, invariavelmente trocada por outra. Sozinha, infeliz e abandonada esta mulher que ‘ama demais’ na verdade ama-se de menos. E, se como diz Djavan, “o amor é um grande laço um passo pra uma armadilha”, ela própria será quem vai puxar a corda de seu cadafalso ao desejar uma paixão sem antes querer saber de si, ou seja, de sua feminilidade.
Se a mulher conseguir ao olhar para o que há de feminino nela, construirá uma via de saída da angústia do que ela não tem, para a possibilidade de amar sem tanto sofrer. A chance de uma vida mais digna e feliz é, portanto, esperar menos do outro e fazer mais por si, pois, em geral, quem espera desespera.

Obs: Texto originalmente escrito para a série do fantástico: "Mulheres que amam demais"

Nenhum comentário: