Tinha descido as escadas correndo e não vi que um pedaço do meu vestido
havia ficado preso em tuas mãos. Foi um descuido, eu disse. Você sorriu coçando
a barba e pediu para ficar com aquelas minúsculas flores azuis sobre fundo
branco. O que você vai fazer com elas? Plantá-las. E, assim, dia após dia verei
crescer teus esquecimentos, teus pequenos e doces descuidos nas nuvens do meu
jardim. Sorri encabulada. Sorriste com delicadeza masculina. Este teu sorriso
que desde o primeiro dia anunciou turbulências festivas em meu coração. Demos
as mãos. Já não sentia a falta do pedaço do meu vestido. Já não sentia a falta
de um pedaço de mim e, no entanto, mal sabia sobre minhas feminilidades. Mal
sabia sobre minhas fronteiras onde sempre me desabitava. Despir meu eu era o
que mais sabia fazer. Era como tirar a própria pele e ficar em carne viva
ardendo de desejos. A vida já me dera o espanto de ser, mas agora eu queria o
espanto de não ser. O doce espanto de deixar ser levada pelo desconhecido e
sorrir sobre a queda quando não houver mais bordas nem anteparos. Só o
firmamento. Quero te beijar. E o silêncio arfante foi o bastante para aquela
madrugada.
quinta-feira, 27 de junho de 2013
sexta-feira, 14 de junho de 2013
Letras ao chão
O dia estava por findar. Pouco havia sobrado das minhas palavras. Talvez
algumas letras esquecidas no chão. Talvez alguma que contivesse pedaços do teu
nome. Olhei incrédulo. Estava lá. Só não sabia que podia estar. Mas eu também
estava e o chão era o que nos acolhia quando as horas eram insuficientes. Disse
para você que a vida era insuficiente. Você não quis me ouvir e arriscou. Eu
também fui no seu risco, no seu traço, na sua maneira delicada e feminina de me
conduzir nas minhas cegueiras atemporais. A palavra transbordava
sentimentalidades que não cabiam em nossos corações. Era a tal insuficiência em
ser, em crer que a vida também podia ser. Ser o quê? Pouco importa meu amor.
Você disse. Eu acreditei na palavra. Era o que de melhor nós tínhamos nas insuficiências
do dizer.
Olhei de novo para o chão. Era um chão de estrelas. A noite havia
chegado. Você aquietou meu frio e ajudou a recolher as letras que também
continham meu nome. Juntamos nossas mãos e ao mesmo tempo, numa cumplicidade
que só o amor verdadeiro pode sentir, jogamos todas as letras para o alto. Elas
voaram. Elas voaram para bem longe. Para um lugar em que nossos nomes fossem
estrangeiros para nós mesmos: a insuficiência é um lugar desabitado de
territorialidades. Desterro. Desterro e paixão. Desta matéria, húmus, são
feitas as palavras. O resto é o que nos acolhe/escolhe. Deambulo: livre matéria
a procriar nomes.
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