sábado, 3 de abril de 2010

Minotauro


Soturno. Há algum tempo Antenor não via a luz do sol. Não é que não saísse. É que sua vida perdera o brilho há muito tempo. Não achava graça em nada e de tudo que fazia - era policial aposentado -, resumia-se só em patrulhar seu bairro por conta própria. Saía para fazer sua ronda por volta das seis da tarde. Não gostava de televisão. Então, quando começavam as novelas, ele partia em busca de manter a lei e a ordem.
Certo noite entrou no Barro's, um modesto armazém e encontrou uma mulher apontando uma arma para o dono do estabelecimento. Antenor não titubeou. Sacou da sua arma que trazia em seu coldre e deu dois tiros certeiros. A mulher caiu sem ter tempo de dar um grito sequer. Foi o Barros, o dono do armazém que começou a gritar feito um louco chamando a polícia. No pânico causado, Barros não reconheceu Antenor. O valente ex-policial, agora sozinho dentro do armazém, deparou-se, para seu horror com uma mulher segurando um secador em sua mão direita. Agora, morta, apontava a acusação contra ele. Agora, a morte tragava-lhe a alma não sem um certo regozijo. Havia extirpado um mal. E, se havia iniciado a limpeza, deveria continuar. Em seu delírio, Barros, o velho dono do armazém, também precisaria ser eliminado. Achava-se o salvador. Portanto, era preciso salvar o mundo da imundície e da escória humana.
Sem saber onde estava em sua razão e certo em seu desvario, Antenor correu de arma em punho atrás do pobre homem. Encontrou-o não muito longe, diante da farmácia que ainda estava à meia porta. Atirou mais uma vez deitando-o fulminado ao chão. A porta semicerrou-se. Com um único pontapé a porta de um solavanco destravou-se do chão e escancarou a tragédia por vir. Por detrás do balcão a família de sul coreanos estava apavorada. Encarregou-se do pai, depois foi a vez dos filhos e da avó que mal falava português. Antenor ainda teve tempo de varrer desta vida o jovem entregador que se abaixara por detrás dos produtos de higiene pessoal. Triste ironia.
Preso em seu próprio labirinto, Antenor correu durante toda a noite pela cidade. Suado, exausto, com os sapatos furados na sola, olhos esbugalhados, embrutecido por uma vida íntegra, totalmente dedicado a combater o mal, bastou o rompimento de um pequeno fio para transportá-lo para a outra margem de onde não conseguiria nunca mais sair. Estava a margem de si mesmo sem o fio condutor que apontasse uma saída plausível. Antenor refugiou-se na loucura.
Encarcerado no manicômio judiciário, autodenomiva-se: Jesus, o Minotauro.

2 comentários:

Unknown disse...

quantos labirintos calamos dentro do peito? quantos novelos de lã - como aquele dado por Ariadne para seu enamorado Teseu - não precisamos para não nos perdermos, encontrar o caminho e atacar o Minotauro de surpresa?
beijos
M

Salomé Mello disse...

O labirinto...esse tal sitio onde eu me preciso reinventar!

beijo