sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O pai e Van Gogh: dois sonhos


Assim que João Luis deitou no colo de sua mãe adormeceu. Estava tudo escuro, mas sua vista pouco a pouco foi clareando, clareando com os azuis e os amarelos de Van Gogh. Não entendeu muito aqueles pássaros pretos conversando em dó maior. Segurou nas asas do primeiro que encontrou e voou para longe dos seus pensamentos de criança. Ele tinha seis anos e já não cabia muito no colo de sua mãe, mas desde que seu pai havia morrido, era assim que ele gostava de dormir: aninhado, pedindo proteção. Mas agora, ele voava. Voava bem alto. Além de sua imaginação. E voou pedindo que ele também tivesses asas para quando acordasse não caísse de seus sonhos de menino. Ele acreditou que as asas serviriam para impedir que seu pai morresse novamente. Ele salvaria seu pai. Se pudesse. Se tivesse nova chance queria estar preparado. Desta vez não falharia. Achava que da primeira vez, como viu seu pai morrer ao cair de uma laje e bater com a cabeça no cimento duro, achou que tinha a obrigação de impedir a queda. Se fosse um anjo, se fosse um anjo...
Encontrou uma cama, mas não era a sua. Era uma cama diferente, como se fosse uma das histórias em quadrinhos. Uma cama amarela, desengonçada. João Luis sorria em seu sonho. Seu pai veio até a beirada da cama. Era mesmo seu pai? Não tinha dúvidas. Ou era um espectro hamletiano? Puxou o cobertor vermelho para se cobrir todo, com medo de ver seu rosto nos olhos do pai morto. Uma mão grossa como a de seu pai, como as unhas de seu pai, com o dorso cheio de cabelos como de seu pai, puxou lentamente o cobertor fazendo aparecer uns olhinhos assustados. Imediatamente uma voz bem conhecida disse a frase que ele mais gostava de ouvir quando ia dormir: 'feche os olhos enquanto te conto uma história até você pegar no sono'. Sem pestanejar obedeceu a voz de seus sonhos: a voz de seu pai.