A INTERNÉPOLIS
Definitivamente, está criada a
Internépolis. Isto representa, atualmente, um modo de viver mundial conectado à
internet. Não se trata de uma cidade, de um estado e muito menos de um país.
Vivemos numa era internáutica onde não damos dois passos - segmento mínimo para
nossa caminhada -, sem que olhemos a condição do tempo, o WhatsApp ou o
engarrafamento nosso de cada dia. A Internépolis é uma sensação que aponta para
dois pontos opostos de uma mesma função: por um lado nos dá a sensação de
pertencimento e de ligação à outras pessoas e/ou comunidades, o que nos dá uma
sensação de fruição de bem-estar para nosso eu narcísico. Por outro lado, esta
mesma conexão, ou falsa conexão, provoca-nos uma sensação de niilismo, redução
ao nada, e nos ocasiona um vazio existencial pela percepção de que
irremediavelmente estamos sós.
Vivemos numa de conflitos e
contradições: numa era de muros sem fronteiras. E ainda não arranjamos uma
maneira saudável e sábia de lidar com isso.
O futuro que nos aponta a
Internépolis é sombrio e também maquiado ao gosto daquilo que os seres humanos
querem ouvir. No entanto, seres-máquinas apelam à razão e a um quinhão de
humanidade num mundo onde os 'mass media' predominam com um poderoso excesso de
informação com baixíssima formação e domínio de vários aspectos da cultura. Por
exemplo, para que aprender idiomas se os aplicativos vão te ensinar a traduzir
todas as línguas? Se já temos "home office" com coeficientes de economia
espantosos para as empresas, será que em breve não teremos todas as crianças em
"homeschooling" (só no Brasil já temos 6 mil crianças sendo educadas
em casa) onde os alunos aprendem, no assim chamado "ensino doméstico"
através de aplicativos, todas as matérias?
E o que faremos com a socialização do
recreio? E o que ensinaremos aos nossos filhos sobre o respeito à fala do
outro, o lugar, a vez e mesmo o exercício natural e saudável do diálogo e mesmo
as brigas e os primeiros amores? E o que esperaremos da relação já tão difícil,
mas fundamental entre professor-aluno?
A Internépolis tem feito do planeta
um enorme 'business' com a promessa ilusória de transformar a imagem em
riqueza.
O modo como o mundo se polarizou
entre correntes partidárias (o renascimento da extrema direita e o levante da
extrema esquerda para combatê-la) é um modo de como a Internépolis e os
cidadãos se organizam, ou seja, como escolhem, com a astúcia da razão
fundamentada em princípios vendidos pela própria rede, como enfatizar, atenuar ou
calar(deletar) uma notícia ou uma pessoa de seus contatos. A extrema sensação
de poder causada pelo valor imagético e simbólico das palavras, praticamente
esvazia sua condição de ser-para-o-mundo. É como se disséssemos uns para os
outros a todo momento: se você não fizer parte do meu pensamento
político-psico-teo-sociológico, vou te deletar. A ameaça concretizada com um
simples apertar de uma tecla ou uma função, faz com que cada um reedite para si
o livro 1984 de George Orwell, no qual o Estado fazia isso com àqueles que eram
contrários ao regime. Como ainda se faz na China, Coreia do Norte e outros
países controlam com mão de ferro seus cidadãos. Simplesmente os elimina da
vida e, num passe de mágica aquela pessoa "não te incomoda mais". O
próprio Facebook ensina: "Como fazer para que uma pessoa pare de me
incomodar". E ainda te dá instrumentos modelos de perseguição e acusação:
'é spam, não devia estar aqui, é impróprio', etc. Será que nos tornamos um
'aparelho ideológico do Estado' Internépolis? Para usarmos a antiga expressão
de Althusser?
Como eu dizia, isso dá ao sujeito uma
pretensa sensação de poder (eliminar o outro) com a ilusão de que ele possa
realmente eliminar o Outro que não existe. Ou que possa eliminar todos.
Assim como os jogos para as crianças
não tem mais o "Game Over", são jogos ininterruptos, a televisão
também proclama "nunca desliga". E nós? Estamos fadados a nunca mais
desligarmos? Os shows "Unplugged", os acústicos, eram ótimos e mais
intimistas. Estes também quase não sabemos mais deles.
A Internépolis nos expôs e nos
retirou a privacidade em ser íntimos para o outro e para nós mesmos. A perda da
intimidade é também a perda da privacidade. Os "nuds" que a garotada
faz uns para os outros estão aí para confirmar um certo infanticídio provocado
pelo excesso de exposição. O fim da inocência tem sido decretado diariamente
pela Internépolis. Nossa civilização do espetáculo prima pelo fim da
singularidade. Das infindáveis selfies às listas intermináveis de gostos e
predileções, abrimos o cardápio de nosso convívio silencioso com nós mesmos
para um turbilhonamento ruidoso e escancarado, uma mostração sem fim de uma
espetáculo de puro prestígio e tentativa de reconhecimento.
O grotesco neste espaço infinito e
tempo super escasso de nossa Internépolis, não é bem a exposição ao outro, mas
a perda da capacidade de nos espantarmos com tudo isso e, principalmente, a
impossibilidade de fazermos um luto pela perda daquilo que é íntimo, privado,
singular e pessoal: a dimensão do tempo nos foi roubada e jogada para dentro de
um espaço ilimitado e ninguém percebeu.
Carlos Eduardo
Leal
Psicanalista e escritor
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