Ayre de Dylan e O Céu da Amarelinha: um encontro faltoso
Em 2102 estava em Madrid. Andava sozinho pelas ruas até que entrei numa
livraria. Digo que comigo nunca é à toa que entro numa livraria. Nunca é sem
consequências. Há algo ali como um agalma, um Outro que me olha desde lá (meu
Le Horla, querido Maupassant), desde um lugar fora de mim. Pura extimidade. É
um dentro a partir de fora que me causa um empuxo, uma desorientação momentânea
me invade que mal consigo respirar. É o farfalhar ao correr com os dedos as
folhas de um livro que vai me dando o fôlego neste fole que abre e fecha
pulsionalmente. Não premedito. Não escolho. Não me endereço. Tudo é como um
jogo de espelhos borgiano. Tudo é avassalador e demasiado numa livraria.
principalmente se não a conheço. Aí sim. Tudo se complica, pois o jogo
labiríntico que se faz produz faunos e monstros indescritíveis que furam a
gramática, subvertem as vozes e colocam-me numa situação incomensurável. Tudo
me é superlativo, grandioso, majestoso e, eu, reles súdito, tateio com os olhos
nas pontas dos dedos de maneira vagarosa e respeitosamente as capas como se
fossem mantos sagrados. Tenho uma posição reverencial e, que, pouco a pouco,
vou ganhando forma e conteúdo na intimidade que se avizinha. Descubro alguns
autores nunca lidos, rencontro outros velhos amigos. Assim foi com Enrique
Vila-Matas. Escritor Catalão, que aborda sempre o
sujeito sob o prisma da vertigem finalista do seu ser. Seus livros têm me
encantado ao longo de alguns anos. Foi assim que numa súbita emoção encontrei
"Aire de Dylan", Seix Barral Biblioteca Breve, Barcelona,
2012. (sobre Bob Dylan e não como pensei a princípio que fosse sobre o escritor
Dylan Thomas de quem o cantor foi influenciado e passou a usar o mesmo
sobrenome. De Dylan Thomas recomendo de passagem, "Retrato do Artista
quando Jovem Cão" e "As filhas de Rebeca"). Mas voltemos ao meu
encontro com Vila-Matas para não dizer mais deste encontro, pois o que sucedeu
vocês ficarão sabendo agora.
Hoje ao abrir (ao acaso? ora, não me venham com esta se acreditam na
força do inconsciente!) novamente o Aire de Dylan (A Cosac Naify publicou ano passado "Ar de Dylan") deparei com um
prolongamento do livro pelo leitor. Pois é isto que dizem que o leitor continua
o escritor por outros meios. Em 2012 eu estava escrevendo O Céu da Amarelinha,
um romance que lancei no ano passado pela Editora Rocco. Pois ao abrir hoje o livro em espanhol eu me deparei com trechos que
ficaram inéditos de O céu da Amarelinha escritos à margem de Aire de Dylan. Eu
mesmo me surpreendi com o texto que encontrei, pois havia esquecido o texto
que escrevi para não esquecer. No início o título de "O Céu da
Amarelinha" era "O Pai Imóvel". Quando mudei do pai para a filha como personagem principal, o livro ganhou outros "ares". Ares de uma
menina apaixonada pelo pai. É um inédito que ficará como está...um resto na
terceira margem de um outro livro.
Um comentário:
Senti falta de ler a escritura que falta. Falta da falta inédita que edita um lugar na falta.
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