quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Ayre de Dylan e o Céu da Amarelinha: um encontro faltoso

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Ayre de Dylan e O Céu da Amarelinha: um encontro faltoso

Em 2102 estava em Madrid. Andava sozinho pelas ruas até que entrei numa livraria. Digo que comigo nunca é à toa que entro numa livraria. Nunca é sem consequências. Há algo ali como um agalma, um Outro que me olha desde lá (meu Le Horla, querido Maupassant), desde um lugar fora de mim. Pura extimidade. É um dentro a partir de fora que me causa um empuxo, uma desorientação momentânea me invade que mal consigo respirar. É o farfalhar ao correr com os dedos as folhas de um livro que vai me dando o fôlego neste fole que abre e fecha pulsionalmente. Não premedito. Não escolho. Não me endereço. Tudo é como um jogo de espelhos borgiano. Tudo é avassalador e demasiado numa livraria. principalmente se não a conheço. Aí sim. Tudo se complica, pois o jogo labiríntico que se faz produz faunos e monstros indescritíveis que furam a gramática, subvertem as vozes e colocam-me numa situação incomensurável. Tudo me é superlativo, grandioso, majestoso e, eu, reles súdito, tateio com os olhos nas pontas dos dedos de maneira vagarosa e respeitosamente as capas como se fossem mantos sagrados. Tenho uma posição reverencial e, que, pouco a pouco, vou ganhando forma e conteúdo na intimidade que se avizinha. Descubro alguns autores nunca lidos, rencontro outros velhos amigos. Assim foi com Enrique Vila-Matas. Escritor Catalão, que aborda sempre o sujeito sob o prisma da vertigem finalista do seu ser. Seus livros têm me encantado ao longo de alguns anos. Foi assim que numa súbita emoção encontrei "Aire de Dylan", Seix Barral Biblioteca Breve, Barcelona, 2012. (sobre Bob Dylan e não como pensei a princípio que fosse sobre o escritor Dylan Thomas de quem o cantor foi influenciado e passou a usar o mesmo sobrenome. De Dylan Thomas recomendo de passagem, "Retrato do Artista quando Jovem Cão" e "As filhas de Rebeca"). Mas voltemos ao meu encontro com Vila-Matas para não dizer mais deste encontro, pois o que sucedeu vocês ficarão sabendo agora.

Hoje ao abrir (ao acaso? ora, não me venham com esta se acreditam na força do inconsciente!) novamente o Aire de Dylan (A Cosac Naify publicou ano passado "Ar de Dylan") deparei com um prolongamento do livro pelo leitor. Pois é isto que dizem que o leitor continua o escritor por outros meios. Em 2012 eu estava escrevendo O Céu da Amarelinha, um romance que lancei no ano passado pela Editora Rocco. Pois ao abrir hoje o livro em espanhol eu me deparei com trechos que ficaram inéditos de O céu da Amarelinha escritos à margem de Aire de Dylan. Eu mesmo me surpreendi com o texto que encontrei, pois havia esquecido o texto que escrevi para não esquecer. No início o título de "O Céu da Amarelinha" era "O Pai Imóvel". Quando mudei do pai para a filha como personagem principal, o livro ganhou outros "ares". Ares de uma menina apaixonada pelo pai. É um inédito que ficará como está...um resto na terceira margem de um outro livro. 

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Os laços do amor e as armadilhas do desejo

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Paixão: quando apesar da placa “perigo” o desejo vai e entra. Adriana Falcão
A loucura histérica é estudada há muito tempo. Existe uma curiosa passagem no Malleus Maleficarum, “O Martelo das Feiticeiras: Manual de Inquisição da Idade Média”, escrito em 1484 pelos inquisidores Heinrich Kramer e James Aprenger que diz: “Vós, Senhor, decretaste que a vergonha da culpa nunca há de vir sem a glória do castigo.”
Aqui o binômio crime e castigo de Dostoiévski foi substituído pela culpa e castigo. Mas de qual culpa se fala quando pensamos nas tais ‘mulheres que amam demais’? Há uma culpa e que ainda por cima mereça ser castigada? Estamos com Nelson Rodrigues que diz que Toda Nudez Será Castigada? Claro que não. A vida não é uma peça de teatro embora na histeria elas façam dramas ou mesmo tragédias em suas vidas amorosas.
Então, qual culpa e de qual nudez estamos falando? Ora, não precisamos ser religiosos para pensarmos que a princípio não existe culpa sem transgressão. Ou o sujeito fez a mais ou de menos do que deveria ser feito. Sentir-se culpado é, por si só, um ato de confissão. O problema da paixão (do latim: Pathos=patologia, sofrimento) é que esta não conhece limites ou fronteiras. Se a culpa é um dos balizadores para o refreamento do limite, na paixão, embora a mulher seja consciente de seu ato, ela não quer saber o que está fazendo. Ela irá invocar toda sua força/fúria tal como um vulcão no ápice de sua erupção para alcançar seu objetivo: conquistar o objeto amado. Deseja, portanto, ‘todo’ o objeto alucinado da paixão. Seu erro é imaginar que o todo possa ser alcançado.
Quanto ao castigo, substituiremos pelo nome de masoquismo: o prazer em sentir dor. Aí está a essência dopathos. O sofrimento ganha seu ápice pela posição submissa em que ela se submete ao outro. E, é claro, só há um masoquista se houver da outra parte um sádico. Diante do fato de implorar o amor do outro, o silêncio da indiferença mata o amor-próprio. É a ferida narcísica onde o “eu” (ego), imagem e consistência corporal, irá descer ladeira abaixo. Tal como um alcoólatra que não tem vergonha de seus andrajos rotos, a mulher enlouquecida pelo objeto de sua paixão se rasga toda, fica nua de preconceitos, vaidades e moralidades, prestando-se a qualquer papel para ter o que ela deseja. Não importa o preço. Não importa o vexame a pagar desde que ela tenha seu ideal.
Pois é nisto em que ela transforma seu homem: num ideal que irá satisfazer e curar todas as suas feridas narcísicas, suas insatisfações e fraquezas. Ele será o salvador de sua ruína amorosa. E ela, como boa fervorosa, crê que esteja diante de seu Salvador. Diante deste deus onipotente, sente-se novamente como uma menininha diante do desamor do pai. O drama edípico no binômio filha-pai-indiferente ou não afetuoso, avança na cena da erotização da vida amorosa transferida agora para alguém que ela pensa que irá ampará-la.
Mas, uma vez mais ela se sentirá angustiada e desprezada e, o que é pior, invariavelmente trocada por outra. Sozinha, infeliz e abandonada esta mulher que ‘ama demais’ na verdade ama-se de menos. E, se como diz Djavan, “o amor é um grande laço um passo pra uma armadilha”, ela própria será quem vai puxar a corda de seu cadafalso ao desejar uma paixão sem antes querer saber de si, ou seja, de sua feminilidade.
Se a mulher conseguir ao olhar para o que há de feminino nela, construirá uma via de saída da angústia do que ela não tem, para a possibilidade de amar sem tanto sofrer. A chance de uma vida mais digna e feliz é, portanto, esperar menos do outro e fazer mais por si, pois, em geral, quem espera desespera.

Obs: Texto originalmente escrito para a série do fantástico: "Mulheres que amam demais"