segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Tudo sobre meu pai (O Céu da Amarelinha)


Texto escrito pela jornalista Bety Orsini

Tudo sobre meu pai
No último final de semana, quando comecei a ler o livro “O céu da amarelinha”, do psicanalista e escritor Carlos Eduardo Leal, achei que gostaria do livro. Passadas as primeiras páginas, fui me surpreendendo até que, ao ler a última página, conclui que o livro é um dos melhores lançados este ano.Não que eu achasse Carlos Eduardo incapaz de escrever uma obra-prima como essa (sim, achei o livro uma obra prima e estou comprando para presentear todos as pessoas que gosto neste Natal) mas o autor se superou neste “O céu da amarelinha”. Delicado, intenso, verdadeiro, o livro é de uma beleza impressionante. Baseado no jogo de pular em um desenho riscado no chão com giz. Em cada desenho números de um a dez. Para chegar ao céu, proposta do jogo, é preciso apanhar a pedrinha no chão sem perder o o equilíbrio, e pular de volta ao ponto de partida. Nesse caso, quem leva o leitor ao céu é o autor com a história .da menina Lívia, apaixonada pelo pai Santiago Constantino que tem um AVC quando ela ainda é criança ( e estava pulando amarelinha no quintal de casa) e que dura anos em uma imobilidade incompreensível. Assim, Lívia cria um diálogo silencioso com o pai baseado na relação que tinham antes do acidente, divertida e cúmplice.
A impressão que se tem é que o autor tinha essa história pronta no fundo da alma e que, de repente, ela aflorou como um vulcão delicado. Katarina, a mãe, também surge como protagonista nessa trama de vida e de dor na qual o silêncio fala mais alto do que as palavras. “Tenho a sorte de ter um pai que colore a minha alma com as cores da felicidade. Ele me diz que sou seu arco-íris, que ilumino sua vida com a beleza da minha alma infantil, embora eu não saiba exatamente o que isso de alma infantil significa”, diz Lívia.
Daí em diante o livro é uma sucessão de parágrafos que superam um ao outro e que mostram que o tempo da criança nunca é igual ao dos adultos. Para o autor, lembrança, visão e esperança é o que sempre queremos, mas nunca temos. “Temos um tempo fugidio. A vida é fugidia. Santiago, para as duas, estava nesse processo de lenta desaparição. Uma presença ausente, poder-se-ia dizer. Santiago era um tempo imóvel num tempo imperdoável que escorria entre os dedos, pelos corpos sem chão. Sem céu. Santiago era o chão para as duas”, escreve Leal.
O único ouvinte de Livia era Santiago. A mãe não escutava. Era Santiago quem escutava a menina e quem ouvia atentamente suas histórias: “A mãe era ansiosa e os ansiosos nunca conseguem prestar atenção em nada ao seu redor de tão preocupados que estão com o tempo futuro de suas ansiedades. Pois a ansiedade é só uma questão de tempo, do que ainda está por vir. A vida por vir. A vida vem do jeito que pode e deve vir”, observa o autor.
E Santiago dormia, dormia. Para Lívia, Santiago continuava “dormundo”, palavra que o autor inventou para dormindo para o mundo. Lívia e a mãe continuavam fortes. Não havia inimigos que pudessem derrotá-las: “Só não sabiam que o pior inimigo era o interno e quando o inimigo mora dentro da mesma casa, não há o que fazer. Estamos indefesos contra nossas interioridades. Somos frágeis para nossas assombrações”. Nunca mais ouvir do pai sobre as estrelas, febres e como escovar os dentes”. Estava escuro dentro de Lívia. Um breu. Livia cresceu e, com o passar dos anos, recorda cada vez menos das coisas que o pai dizia. Antes do fim, mas ainda com a esperança que ele despertasse, ela guardou para sempre a voz de Santiago. “Pai? Paizinho, você me ouve? Sou eu. Sua bolinha de sabão, ela disse baixinho no ouvido do pai enquanto fazia carinho em seus cabelos. Pai, serei sempre sua princesinha e você será sempre o melhor pai do mundo. Eu te amo”.