segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Os Anjos Caídos no Paraíso Perdido - leituras


Francis Bacon

Os Anjos Caídos no Paraíso Perdido


A recordação da felicidade já não é felicidade, enquanto a dor é ainda dor. Lord Byron

A idéia do Paraíso Perdido sempre foi fascinante para o ser humano. A vontade de reencontrá-lo parece ter sido substituída por um lenimento na tradição cristã, um adiamento post mortem, ou seja, a felicidade seria alcançada no encontro com Deus. Por que Adão, o primeiro anjo pecou, nós, anjos caídos descendentes dele, estamos fadados a cada passo a estarmos mais próximos do cadafalso. A esperança plantada como uma célula terrorista em nossos corações, ou como um chip infestado de vírus em nossas almas é de que a Terra é tudo aquilo que não é o Paraíso Perdido. E, de nossa parte, parece que estamos bastante empenhados em fazer dela a confirmação do que disse: uma devastação nas condições de vida que vão das relações do homem com o meio-ambiente até as mortificações das inter-relações.

O escritor holandês Cees Nooteboom teve uma experiência real muito interessante. Nooteboom relata que foi convidado para um evento de arte em Perth, pequena cidade da Austrália: ele e algumas outras pessoas iriam fazer um percurso por certos lugares na cidade para encontrar anjos. Pessoas comuns vestidas de branco e com asas, nas mais diversas situações. Num prédio abandonado, atrás de um armário, olhando para a parede estava uma mulher imóvel vestida de anjo. Um anjo decaído. Ficou fascinado por aquela personagem ali jogada olhando para o nada. Tentou conversar com ela. Após algum tempo, o máximo que ouviu foi: “não posso falar com o senhor”. Foi a partir desta experiência que ele escreveu Paraíso Perdido (Companhia das Letras).

O livro conta a história de Alma - o nome é proposital – uma linda e jovem brasileira que após ter sido estuprada numa favela em São Paulo, voa para a Austrália com sua melhor amiga, Almut. Ambas têm descendência alemã, estudam história da arte e Alma é obcecada por anjos. Ela terá um affaire com um pintor aborígine feito de sexo e longos silêncios à beira-mar. É ela quem se transformará no anjo cênico. Paraíso Perdido é um pequeno labirinto metalingüístico onde o acaso anda à solta, como um anjo, a promover encontros e presenciar desencontros e mal-entendidos humanos, demasiadamente humanos, diria Nietzsche.

Em certo momento dá-se o encontro com o anjo: “E ele? Um homem num aposento fitando um anjo estendido no chão. Anjos são seres míticos, mas em pleno século XX caem na categoria do kitsch, da ironia ou da encenação. E, ainda assim, aquele corpo mirrado e encolhido, aqueles pés descalços, todo aquele ser feminino – porque era uma mulher, ele tinha certeza, por mais que parecesse com um menino – causara nele um efeito: medo, comoção, desejo. Ele precisava vê-la levantar-se e bater aquelas asas que jaziam, grotescas, na poeira.” Retorna ao hotel, mas naquela noite ele não irá dormir. Pensa nela continuamente nela. Todo anjo é atemorizante, escreveu Rilke. E onde há medo, também há desejo. No dia seguinte ele retorna. “Pousa o olhar no rosto imóvel, nos pés descalços, nas asas. O que aconteceria se ele dissesse alguma coisa? Um tijolo arremessado contra um espelho, um ruído de cacos se quebrando, uma espécie de gemido vítreo, e o silêncio volta a se impor. Um silêncio dos que violam o intangível. Senta-se, de costas para a parede. O tempo, desprovido de peso, recebia um lastro em que tudo pesava: a tensão, o pressentimento de uma cilada. Pensa ter ouvido alguém se aproximar, mas é um alarme falso. Ele toca uma das asas bem de mansinho, com a maior ligeireza possível. – Please, go away. – I cannot. I want to talk to you. (...) Acontece que me apaixonei perdidamente por você”, ele diz. “Foi por causa das asas. Você não foi o único. Mas anjos e seres humanos são incompatíveis”.

É nesta tênue linha entre ficção e realidade que Cees Nooteboom transita e parece nos levar ao intangível das relações.

O acaso faz com que o ‘autor’ e Alma se encontrem no avião de volta. Ela lhe sussurra: “Será que o senhor já parou para pensar no inventor do Paraíso, um lugar onde não ocorrem mal-entendidos? O tédio incomensurável que deve reinar lá só pode ser entendido como uma punição. Para inventar algo assim, só mesmo um mau escritor.”

Se estamos fora do Paraíso, qual é o habitat que esta Terra nos reserva? Será que a humanização tem nos tornado demoníacos?

Harold Bloom, Anjos Caídos (Objetiva), escreve que “o anjo Adão foi um anjo caído que logo pôde ser distinguido de Deus. (...) Eu afirmo alegremente que todos nós somos anjos caídos, e trato agora de nos separar e de nos afastar para longe de nossos primos mais antipáticos, os demônios e os diabos.”

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Foi andar descalço nas nuvens...





Era um menino que havia esquecido de contar seus dias

Desfez-se de seus olhos e saiu mundo afora

A olhar recantos com outros olhos

A olhar encantos através de outros olhares.


De coração em coração experimentava desditas

E outras veredas sem fim

Experimentava tecidos das peles

Cílios que se dobravam em olhares

Mãos que acolhiam curvas feitas de esmeraldas.


Um dia, sem querer, entrou nos trigais

De um quadro de Van Gogh

Os corvos assustaram-se e pôde olhar o mundo

Através do azul.


Disse para si mesmo que se encantara pelas estrelas

Uma em especial chamara-lhe a atenção.

Uma que tinha em suas mãos restos de um pôr-de-sol.

Uma estrela que a chuva havia acabo de enxaguar.


Ingenuamente tirou os sapatos

Pôs-se a andar pelas nuvens

E acabou por espetar o pé na estrela.


Porém, não sabia que era uma estrela cadente

Então, seus olhos abriram-se na tristeza:

Verdade sem nenhum saber.


A poeira estelar ainda ardia-lhe os olhos

Quando seus pés clamaram por um retorno.

Saberia o caminho de volta?


Haveria mesmo uma volta possível, ou

Seus olhos teriam-se perdido

Pelo universo infinito

Na velocidade esmeralda daquela estrela?